O acidente geográfico que é a maior arma do Irã contra os EUA
O Irã voltou a usar sua melhor arma na disputa com os Estados Unidos. Não estamos falando de seu polêmico programa nuclear, tampouco de sua famosa Guarda Revolucionária, muito menos da controversa Força de Resistência Basij.
Desta vez, trata-se de um acidente geográfico em sua costa: o estreito de Ormuz, uma das rotas mais importantes do comércio mundial. Pelo canal, que conecta o Golfo Pérsico e o Oceano Índico, é escoada, diariamente, mais de 30% da produção mundial de petróleo.
No início do mês de julho, após o anúncio de novas sanções de Washington contra Teerã, o presidente iraniano, Hassan Rouhani, advertiu que seu país poderia suspender o comércio por essa via --ponto frequente de conflito, que já provocou tensão na relação com os EUA em anos anteriores.
Na semana passada, Rouhani repetiu a ameaça, que foi validada pelo líder religioso supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.
"Senhor Trump, somos o povo digno que garantiu a segurança do canal de saída da região ao longo da história. Não brinque com o rabo do leão; você vai se arrepender", disse Rouhani, segundo o site oficial da presidência.
Mas isso foi só o começo. A disputa entre os dois países, que se intensificou após a saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã em maio, chegou ao ápice neste fim de semana, quando Rouhani afirmou que um conflito armado contra seu país seria "a mãe de todas as guerras".
As declarações provocaram um tuíte enfurecido do presidente americano, Donald Trump. Ele disse a Rouhani, usando letras maiúsculas, que "NUNCA MAIS" voltasse a ameaçar seu país, ou enfrentaria "CONSEQUÊNCIAS QUE POUCOS NA HISTÓRIA SOFRERAM".
Mas, na terça-feira, o Irã contra-atacou e repetiu que tomará medidas "análogas", caso Washington decida bloquear suas exportações de petróleo. E ameaçou o país novamente com o fechamento da passagem estratégica.
"Como potência dominante do Golfo Pérsico e do estreito de Ormuz, (o Irã) garante a segurança do transporte marítimo e da economia global nessa via fluvial essencial e tem força para agir contra qualquer plano nesta região", disse o chefe das Forças Armadas iranianas, Mohammad Bagheri.
Desde então, o potencial bloqueio do estreito ronda o Golfo Pérsico como um fantasma. Na última quarta-feira, os preços do petróleo na bolsa de valores subiram pelo segundo dia consecutivo.
O núcleo do petróleo mundial
A importância do estreito de Ormuz é óbvia, segundo Rockford Weitz, diretor de Estudos Marítimos da Universidade de Tufts, em Massachusetts, nos Estados Unidos: ele desempenha um papel central no escoamento de um terço do petróleo consumido diariamente no mundo.
"Todo o tráfego marítimo procedente dos países do Golfo, que são grandes produtores de energia, converge no estreito, incluindo as exportações de petróleo e gás natural liquefeito do Irã, do Iraque, do Kuwait, de Bahrein, do Catar, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos", explicou Weitz à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
De acordo com Richard Baffa, especialista em Irã da RAND Corporation, "think tank" (centro de pesquisa e debate) ligado às Forças Armadas americanas, cerca de 17,5 milhões de barris de petróleo bruto passam por ali todos os dias.
"O Golfo Pérsico é a principal zona de produção de petróleo do mundo. E Ormuz é o principal lugar no mundo por onde escoa o petróleo que é consumido em outros países."
Para Teerã, diz ele, isso é uma vantagem estratégica. "O Irã domina esse estreito geograficamente e também tem a marinha mais forte em nível regional, à exceção da americana", explica.
Em seu ponto mais estreito, o canal mede cerca de 33 quilômetros de largura. Mas, na realidade, a largura das rotas de navegação, por onde passam as embarcações, é de apenas três quilômetros, em qualquer direção.
Por isso, as ameaças de fechamento feitas por Rouhani deixaram a comunidade internacional em alerta.
"Se o Irã fechar o estreito, independentemente de por quanto tempo, terá um impacto enorme no mercado energético mundial, assim como nas economias dos estados do Golfo, que poderiam sofrer inclusive instabilidade política no longo prazo", avalia Baffa.
Acredita-se que o fechamento do canal poderia fazer os preços do barril de petróleo subirem entre US$ 150 e US$ 200, mas seu impacto não se restringiria a isso.
"Além dos fluxos de petróleo, também interromperia as importações marítimas nos países do Golfo, incluindo seus principais portos, como Dubai. Dado que mais de 90% do comércio mundial é feito por via marítima, acabaria resultando em escassez de oferta nos países do Golfo - e, portanto, no aumento dos preços de produtos importados", opina Weitz.
O especialista diz que uma situação semelhante ocorreu no fim da década de 1980, quando o estreito foi fechado durante a guerra entre Irã e Iraque, o que culminou com uma operação do Comando Central militar dos EUA.
Para evitar um bloqueio dessa natureza, a Marinha americana reativou, em 1995, sua Quinta Frota para vigiar as águas do Golfo Pérsico.
Desde então, foram feitas sucessivas ameaças de fechar o estreito - em 2011, 2012 e 2016, quase sempre associadas à aprovação de sanções a Teerã por parte de Washington.
Mas o Irã tem realmente a capacidade de fechar o estreito ou é só mais uma bravata em seu conflito verbal com os EUA?
Planos de bloqueio
De acordo com Baffa, que foi analista-chefe do National Ground Intelligence Center, centro de estratégia do Exército americano, quando Teerã ameaça bloquear o canal é porque o país tem realmente o planejamento militar necessário para uma operação desse porte.
"O Irã tem planos de contingência para fechar o estreito. Eles fariam uma 'ofensiva em camadas', com pequenos botes que realizariam potenciais ataques suicidas, e depois usariam mísseis, submarinos e minas. Mas, no fim das contas, não seria possível manter isso por mais do que alguns dias."
O especialista acredita que a superioridade militar dos EUA e de seus aliados permitiria que o canal entrasse em operação em pouco tempo. Mesmo assim, os impactos de um fechamento, ainda que breve, poderiam ser extensos.
"O maior problema seria se eles pusessem minas, porque retirá-las levaria mais tempo e seria preciso encontrar espaço para que os navios passassem sem o risco de serem atingidos", afirma.
Nesse caso hipotético, segundo Weitz, seriam necessárias várias semanas para desarmar todas as minas e deixar a via marítima novamente segura, antes de o transporte comercial poder ser retomado, sem que fosse preciso pagar seguros mais altos.
Baffa considera, no entanto, que esse é um cenário pouco provável. "Acho que essas declarações do Irã são feitas para volatilizar o mercado global de energia e para deixar a comunidade internacional em alerta, mais do que realmente ameaçar o fechamento do estreito com ações militares", afirma.
Para ele, dificilmente haverá algum enfrentamento entre Washington e Teerã que vá além das palavras e das sanções.
"As tensões entre EUA e Irã cresceram e acho que vão aumentar ainda mais nos próximos meses, como resultado de novas sanções, já que Washington está boicotando a produção de petróleo iraniano, e essa é a principal fonte de renda do país. Mas uma ação militar entre os dois países é muito pouco provável."
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