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Eleições 2018: Assembleias Legislativas são eficientes? Leis aprovadas por deputados estaduais `custam` até R$ 4 mi e têm relevância duvidosa

Paula Adamo Idoeta - @paulaidoeta - BBC News Brasil en Sao Paulo

05/10/2018 16h08

Quando Leonardo Sales escutou no rádio, em 2017, que a Câmara Legislativa do Distrito Federal havia acabado de aprovar uma lei decretando o "Dia do Goiano", achou que valeria a pena pesquisar: o que fazem exatamente as Assembleias Legislativas do Brasil? Será que o dinheiro público investido nelas está sendo gasto de modo eficiente?

Sales, que fez mestrado em Economia na UnB, trabalha na Controladoria Geral da União e mantém um blog sobre análise de dados, se pôs a analisar os gastos das 27 Casas estaduais em 2016 e descobriu que, se dividida a despesa anual de algumas das assembleias pelo número de projetos aprovados, vê-se que a aprovação de uma lei chegou a "custar" R$ 4 milhões em dinheiro público.

Depois, ele fez uma análise qualitativa das leis aprovadas, e os resultados tampouco foram animadores: boa parte dos projetos dizia respeito a meramente criar datas comemorativas ou declarar ONGs como de utilidade pública.

"Eu já imaginava que a produtividade seria baixa, mas me surpreendeu a pouca importância e as amenidades dos temas tratados nas leis", opina Sales à BBC News Brasil. "O custo é muito alto - foram mais de R$ 9 bilhões em 2016 para as 27 assembleias -, e o que estão gerando de resultado é bastante questionável."

A eleição presidencial é o foco principal das atenções, mas é bom lembrar que em 7 de outubro votaremos também para eleger 1059 deputados estaduais ou distritais, para as 26 Assembleias Legislativas do Brasil e a Câmara Legislativa do DF.

E o que elas fazem?

A Constituição é vaga: deixa aos deputados estaduais tudo o que não é competência dos municípios ou do governo federal, o que acaba relegando às assembleias as atribuições menos claras, segundo especialistas. Ainda assim, há funções importantes a serem realizadas, como produzir leis estaduais e fiscalizar o trabalho dos governadores.

'Produtividade' das assembleias

Para seu estudo, Sales levantou tanto dados orçamentários (despesas totais das assembleias, gastos com pessoal ativo, limite de despesas de gabinete de deputados, entre outros) quanto da atividade legislativa (número de deputados, número de leis ordinárias aprovadas, número de sessões ordinárias realizadas e conteúdo das leis aprovadas).

Em diversos indicadores, há uma grande disparidade entre os Estados.

Em São Paulo, por exemplo, onde 269 leis ordinárias foram aprovadas em 2016, o orçamento foi de R$ 1,1 bilhão, para custear o trabalho de 94 deputados estaduais. No Rio Grande do Sul, o orçamento e a aprovação de leis foram a metade disso: R$ 568 milhões para 55 deputados, com a aprovação de 136 leis.

Fazendo uma conta simples, chegou-se, nesses Estados, a R$ 4 milhões "gastos" para cada lei aprovada.

Em contrapartida, Goiás foi o Estado que, sob esses critérios, mostrou-se proporcionalmente mais produtivo: 380 leis, com um orçamento de R$ 323 milhões. Cada lei goianense custou "apenas" R$ 850 mil.

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) afirma que tem reduzido os valores de seus contratos e que o trabalho dos deputados pode ser fiscalizado pelos cidadãos. A BBC News Brasil também consultou a Assembleia gaúcha, que não respondeu até a publicação desta reportagem.

Mas o próprio Sales aponta que o "custo" das leis é apenas uma entre diversas formas de avaliar a produção da assembleia. Afinal, do que tratam as leis aprovadas?

Lei do 'Dia de Equipamentos de Terraplenagem'

Montando uma base de dados com as 4,6 mil ementas de leis estaduais aprovadas no Brasil em 2016 e analisando-as com base em palavras-chave e padrões semânticos, eis o que o pesquisador descobriu: 35% das leis eram destinadas à regulação de programas ou serviços públicos, modificações orçamentárias ou tributárias. São as leis que, na avaliação de Sales, parecem ter o caráter mais relevante e inovador para a vida pública.

"Os 65% restantes se referem a amenidades, como atribuição de nomes a logradouros, criação de datas comemorativas e concessão de títulos a pessoas e entidades ou (ligadas à) própria gestão burocrática estatal, como reestruturação na carreira dos servidores e alterações na configuração dos órgãos públicos", escreve o pesquisador.

Entre elas estão a Lei 14.867, que determinou a criação do "Dia da Igreja Mundial do Poder de Deus", na assembleia gaúcha; a Lei 16.088, que instituiu o "Dia do Operador de Máquinas e Equipamentos para Terraplenagem" no território paulista; e a Lei 16.091, que deu o nome de José Ariovaldo Gava a um viaduto de uma rodovia no interior de São Paulo - cada uma delas àquele custo de R$ 4 mi que mencionamos acima.

No Distrito Federal, a lei que motivou a pesquisa de Sales, do Dia do Goiano, teve um "custo" de R$ 1,8 milhão.

Além disso, boa parte das leis "amenas" serve para um único propósito: declarar ONGs como sendo de "utilidade pública". É um tipo de lei aparentemente inócuo, mas que, na prática, permite que essas organizações recebam recursos públicos estaduais sem a necessidade de licitação, além de receberem algumas vantagens tributárias. Só em Minas Gerais, por exemplo, foram aprovadas 360 leis do tipo em 2016.

E quanto à fiscalização do Executivo, uma das atribuições mais importantes de uma Assembleia Legislativa?

Segundo Sales, há poucos indícios de que essa fiscalização tenha sido rígida no ano analisado (2016): em nenhuma das 27 assembleias as contas dos governadores foram reprovadas ou questionadas, por exemplo. Ele tampouco encontrou muitos exemplos de obras do Executivo estadual que tivessem sido paralisadas a pedido do Legislativo para se avaliar sua prestação de contas.

Sessões em metade dos dias úteis

O pesquisador também avaliou a proporção de sessões legislativas (as chamadas sessões ordinárias) realizadas em relação aos dias úteis do ano. E descobriu grandes disparidades: desde a Assembleia de São Paulo, que realizou sessões em mais de 70% dos dias úteis de 2016, até a Assembleia do Pará, que teve sessões em só 20% dos dias.

A média nacional é de que os deputados estaduais realizaram sessões em apenas 47% dos dias úteis.

"É possível que, em situações específicas, o calendário da AL tenha sido dominado por sessões extraordinárias e CPIs, por exemplo, mas isso não é a regra", escreve Sales. "Normalmente dois dias por semana (isso é padrão em todas as assembleias) são reservados a sessões solenes e a atividades em comissões."

Outro levantamento de Sales diz respeito às verbas de gabinete - dinheiro que serve para pagar assessores, deslocamentos e outros custos da atividade parlamentar.

Aí também há grandes disparidades: enquanto o Rio de Janeiro, em meio à crise orçamentária do Estado, zerou as verbas de gabinete de seus deputados estaduais, o Mato Grosso autoriza que cada deputado receba até R$ 65 mil por mês para essas despesas.

As discrepâncias entre os custos das assembleias e as diferenças populacionais do Brasil acabam levando a conclusões curiosas: o cidadão de Roraima (Estado com 500 mil habitantes) acaba contribuindo, em média, com R$ 387 por ano para fazer sua Assembleia Legislativa funcionar. Já o cidadão paulista (Estado de 45 milhões de habitantes) pagou bem menos: R$ 24, em média, em 2016 para a Alesp.

É um dos menores custos per capita do país, diz a Alesp em nota à BBC News Brasil. "Entre as ações implementadas pela atual presidência da Alesp está a revisão de todos os contratos, que tiveram redução de, em média, 20%. (...) Os gastos dos deputados estaduais são públicos e podem ser consultados no Portal da Alesp e também pelo aplicativo Fiscaliza Cidadão, dispositivo criado pela atual gestão que dá mais transparência aos gastos dos parlamentares", afirma a Casa.

Vácuo de atribuições

No entanto, "não é só uma questão de o quanto elas custam - na Constituição, couberam poucas competências às assembleias", diz à BBC News Brasil Fernando Abrucio, professor e pesquisador da FGV-SP e especialista em administração pública.

"Existe uma competição de atribuições (dos deputados estaduais) com prefeitos e um grande poder dos governadores (na esfera estadual). Com tudo isso, as assembleias ficam mais frágeis do ponto de vista legislativo e são pouco fiscalizadoras. Sobra para elas a política de baixo clero - custosa, mas de pequeno efeito político."

O que o eleitor pode fazer?

Como, então, fazer para que o seu voto para deputado estadual tenha um impacto positivo na vida do seu Estado?

A BBC News Brasil preparou um guia para explicar em detalhes as atribuições do deputado estadual e alguns de seus custos, para orientar o eleitor.

Para Abrucio, da FGV, como o vácuo de atribuição das assembleias é estrutural, é difícil mudá-lo sem mexer na Constituição. "O que o eleitor pode fazer é cobrar mais qualidade no trabalho e mais transparência", opina.

Para Sales, cada cidadão pode começar avaliando a relevância dos projetos de lei propostos e votados por seus candidatos (caso busquem a reeleição) no site da Assembleia Legislativa do seu Estado.

"Mas acho que o papel mais importante vem depois das eleições, que é cobrar os nossos deputados estaduais por mais economia - algumas assembleias gastam muito mais do que as outras e têm grande margem de gordura para cortar - e por uma atuação mais forte em produção de leis", opina o pesquisador.

"De maneira geral, não damos muito valor a esse trabalho. As assembleias produzem pouco e acabam ficando no esquecimento, e a sociedade cobra pouco."