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Como a mudança climática está deixando os países ricos mais ricos, e os pobres mais pobres

Pablo Uchoa

BBC World Service

05/05/2019 07h16

A temperatura está aumentando no mundo como um todo, mas as consequências disso não são as mesmas para todos os países.

No último século, a mudança climática aumentou a desigualdade entre as nações, puxando para baixo o crescimento econômico dos países mais pobres e aumentando a prosperidade de alguns dos países mais ricos do planeta, aponta uma nova pesquisa.

O abismo entre as nações mais pobres e as mais ricas do mundo é 25% maior do que seria sem o aquecimento global entre 1961 e 2010, diz um estudo da Universidade de Stanford, na Califórnia.

Países tropicais africanos foram os mais afetados --os Produtos Internos Brutos (PIB) da Mauritânia e do Níger estão 40% menores do que estariam se as temperaturas não estivessem aumentando progressivamente.

O Brasil, que é nona maior economia do mundo, teria tido um crescimento 25% maior se não houvesse aquecimento global.

A Índia --que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), se tornará a quinta maior economia do mundo neste ano-- atingiu um PIB 31% menor em 2010 por causa do aquecimento global, diz a pesquisa.

Por outro lado, conforme o estudo, publicado na revista acadêmica "National Academy of Sciences", o aquecimento global contribuiu para o crescimento do PIB de vários países ricos, inclusive de alguns dos maiores emissores de gases poluentes.

O problema do calor

Um dos autores da pesquisa, Marshal Burke, do Earth System Science, da Universidade de Stanford, passou anos analisando a relação entre temperatura e flutuação econômica em 165 países, entre 1961 e 2010.

Aquecimento global - BBC - BBC
Imagem: BBC

O estudo usou mais de 20 modelos climáticos para determinar quanto cada país aqueceu em decorrência do aquecimento global provocado pelos seres humanos. Ele, então, calculou 20 mil versões de qual seria a taxa de crescimento anual dessas nações se não tivesse havido esse aumento na temperatura.

Burke demonstrou que, nos anos que registraram climas mais quentes que a média, o crescimento econômico acelerou nos países mais frios e reduziu, nos mais quentes.

"Os dados históricos mostram claramente que as plantações são mais produtivas, e as pessoas são mais saudáveis e mais produtivas no trabalho quando as temperaturas não são nem tão quentes nem tão frias", explica.

O pesquisador argumenta que países frios se beneficiaram do efeito do aquecimento global ao vislumbrarem alguns anos de temperaturas mais amenas, enquanto os países quentes foram "punidos" com temperaturas mais extremas que o normal.

Noah Diffenbaug, que liderou a pesquisa, disse à BBC News que a temperatura afeta a economia de um país de diferentes maneiras.

"Por exemplo, a agricultura. Países frios têm períodos limitados para germinação, por causa do inverno com temperaturas muito frias. Por outro lado, obtivemos evidências de que a produção agrícola declina acentuadamente em temperaturas muito altas", diz.

"Da mesma maneira, há evidências de que a capacidade de trabalho decai em temperaturas quentes, assim como a performance cognitiva. E os conflitos interpessoais aumentam em climas quentes também."

Impacto a longo prazo é ruim para todos

Os pesquisadores dizem que, enquanto há certa incerteza sobre o tamanho dos benefícios obtidos pelos países mais ricos e frios, o impacto do aquecimento global em nações de clima quente não deixa margem para dúvida.

Na realidade, se tivessem considerado o aquecimento global desde o período da Revolução Industrial, os efeitos seriam ainda mais significativos.

"Os achados dessa pesquisa são consistentes com conhecimentos que já tínhamos, como o fato de que as mudanças climáticas agem como multiplicador de ameaças, agravando vulnerabilidades", afirmou Happy Khambule, consultor do Greenpeace África.

"Isso significa que os mais pobres e vulneráveis estão na linha de frente das mudanças climáticas, e os países em desenvolvimento estão tendo de lidar com temperaturas cada vez mais extremas, que tolhem o seu desenvolvimento."

A falta de resiliência de Moçambique ficou evidente após o ciclone Kenneth --que provocou mais de 40 mortes-- atingir o país em 25 de abril, diz Khambule. Em março, mais de 900 pessoas morreram em Moçambique, no Malauí e na Zâmbia como consequência do ciclone Idai.

Até a África do Sul, que se beneficia de uma infraestrutura mais sofisticada, sofreu com eventos climáticos extremos, como a crise da seca em 2018 e as recentes enchentes na província de KwaZulu-Natal, afirma Khambule.

"Países africanos têm contribuído muito pouco para a piora do aquecimento global, mas são os que mais estão sofrendo seus impactos."

Injustiça

De acordo com a pesquisa, entre 1961 e 2010, todos os 18 países com emissões históricas que totalizam menos de 10 toneladas de dióxido de carbono per capita foram impactados negativamente pelo aquecimento global. Eles tiveram, em média, uma redução de 27% no PIB per capita comparado a um cenário sem alta nas temperaturas.

Por outro lado, 14 dos 19 países cujas emissões ultrapassam 300 toneladas de dióxido de carbono per capita se beneficiaram do aquecimento global, tendo um crescimento médio adicional de 13% no PIB.

"Além de não terem compartilhado dos benefícios do consumo de energia, os países pobres se tornaram mais pobres com o consumo de energia pelas nações ricas", destaca a pesquisa.

Mas essas descobertas também foram alvo de críticas.

Solomon Hsiang, professor de políticas públicas da Universidade da Califórnia, Berkley, que colaborou com os dois autores da pesquisa no passado, diz que países ricos também foram impactados negativamente pelo aquecimento global.

"Nós detectamos malefícios de efeito retardado em países ricos, por meio do uso de métodos de análise. Portanto, se você olhar para além dos primeiros anos de impacto, você vai perceber o surgimento de danos em países ricos e frios, assim como em países quentes e pobres", disse.

Também não está claro como o crescimento foi afetado pelas mudanças climáticas em países de latitude média, como Estados Unidos, China e Japão --as três maiores economias do mundo.

"O que se sabe é que, no longo prazo, as mudanças climáticas não beneficiam ninguém. É essencial que os maiores emissores de gases poluentes reduzam urgentemente suas emissões", diz Khambule.

"Os governantes precisam levar o aquecimento global mais a sério do que fazem hoje e garantir uma rápida transição do uso de combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia."