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A briga entre EUA e Europa por trás de polêmica sobre Brasil na OCDE

Daniela Fernandes - De Paris para a BBC News Brasil

14/10/2019 09h57

Por trás das polêmicas nas redes sociais sobre o apoio dos Estados Unidos à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), há uma queda de braço entre americanos e europeus que se arrasta há meses sobre como deve ser o processo de ampliação da entidade, que envolve atualmente seis países. Daí o impasse em relação à candidatura brasileira.

A polêmica sobre o apoio ao Brasil surgiu na quinta-feira, após a agência Bloomberg ter revelado que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em uma carta enviada ao secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, em 28 de agosto, afirmou que seu país apoia apenas as candidaturas da Argentina e da Romênia. Segundo a Bloomberg, Pompeo rejeitou o pedido para discutir uma nova ampliação da OCDE.

"Os EUA continuam a preferir a ampliação a um ritmo contido que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão", dizia a carta enviada por Pompeo à OCDE.

A publicação de reportagens, análises e textos opinativos na mídia brasileira afirmando que os Estados Unidos negaram apoio ao ingresso do Brasil na OCDE, apesar da promessa feita pelo presidente Donald Trump em março, levaram as autoridades americanas a reagir rapidamente e reiterar que endossam a candidatura brasileira à organização com sede em Paris.

"A declaração conjunta divulgada com o presidente Bolsonaro em março deixa absolutamente claro que apoio o Brasil no início do processo de adesão plena à OCDE. Os Estados Unidos defendem essa declaração e defendem Jair Bolsonaro. Este artigo é notícia falsa!", escreveu Trump no Twitter em relação ao texto da Bloomberg.

O secretário de Estado americano também publicou um tuíte afirmando que "os Estados Unidos são apoiadores entusiastas do ingresso do Brasil nessa importante instituição" e acrescentou que seu país fará "um forte esforço" para apoiar a entrada.

Recuo americano ou movimento esperado?

Nas redes sociais, houve discussões sobre o suposto recuo da posição americana e o possível revés sofrido pelo governo brasileiro, que ofereceu contrapartidas durante a viagem de Bolsonaro aos EUA em março. Também não faltaram memes ironizando a situação.

Uma das medidas adotadas pelo Brasil foi abrir mão do status de nação em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), que garante benefícios como regras mais flexíveis. Especialistas citam também outras medidas, como a concessão aos EUA da exploração da base espacial de Alcântara, no Maranhão, e a isenção de vistos para turistas do país sem reciprocidade para brasileiros.

Os defensores da iniciativa brasileira argumentam que a adesão à OCDE pode favorecer investimentos internacionais e as exportações, aumentar a confiança dos investidores e das empresas e ainda melhorar a imagem do país no exterior, favorecendo o diálogo com economias desenvolvidas.

A OCDE, atualmente com 36 países, é um fórum internacional que promove políticas públicas, realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e para fortalecer a economia global.

Apesar das novas mensagens de pleno apoio de autoridades americanas à entrada do Brasil na OCDE, na prática os Estados Unidos não estão dispostos, pelo menos no momento, a mudar sua posição em relação à ampliação da organização, que reúne 36 países. Mesmo que isso dificulte o lançamento da candidatura do Brasil, que continua sem prazo previsto.

Atualmente, seis países solicitaram adesão à OCDE, conhecida como "clube dos ricos": Argentina, Romênia, Brasil, Peru, Bulgária e Croácia.

A candidatura do Brasil se encontra em meio a uma disputa entre americanos, que defendem a expansão da OCDE "em ritmo moderado", e europeus, que querem discutir todas as seis candidaturas, uma forma de garantir que haja a contrapartida da escolha de um país do bloco para cada candidato não europeu selecionado.

Segundo um diplomata, ouvido sob condição de anonimato, o Brasil se encontra em uma situação "curiosa": o país tem o apoio de todos os membros da organização, mas o processo não avança porque não se consegue chegar a uma decisão sobre todas as candidaturas.

Os Estados Unidos, diz ele, têm questionado até que ponto a expansão da OCDE deve ser feita. Na visão americana, uma organização muito ampla dificultaria a tomada de decisões.

A prioridade para os EUA não é expandir a OCDE, mas sim discutir qual caminho a entidade deve tomar, como indica a nota da embaixada americana no Brasil, divulgado após a reportagem da Bloomberg, que retoma o teor da carta enviada por Pompeo.

O comunicado menciona o apoio a uma expansão "a um ritmo controlado que leve em conta a necessidade de pressionar as reformas de governança e o planejamento da sucessão" na organização.

De acordo com fontes ouvidas pela BBC News Brasil, os Estados Unidos chegaram a propor a realização de uma avaliação externa da OCDE, que não teria ocorrido justamente por falta de consenso em relação ao escopo dessa análise.

Um europeu para cada não europeu

Os Estados Unidos, afirma um diplomata, também rejeitam a ideia de um paralelismo na ampliação da OCDE, defendida pelos europeus, ou seja, quando um país não europeu ingressa na organização, um europeu também deve entrar, como vem ocorrendo nas últimas adesões.

Desde 2010, seis novos países entraram na organização: Chile, Israel, Estônia, Eslovênia, Letônia e Lituânia. Os próximos membros serão a Colômbia, cuja adesão, já aprovada, é iminente, e a Costa Rica, que iniciou as discussões em 2015. Com esses dois futuros novos membros, serão quatro europeus e quatro não europeus.

Esse processo passou a ser adotado após a entrada, de uma só vez, de dez países na União Europeia, em 2004. Na época, os europeus queriam que todos os novos países do bloco se tornassem membros da OCDE, o que gerou críticas por parte de não europeus, que alegaram já ter muitos países do continente na organização.

O Brasil solicitou a adesão à OCDE em 2017. A Argentina fez o pedido um ano antes.

Na reunião ministerial anual da OCDE, em maio, os Estados Unidos oficializaram em Paris apoio à entrada do Brasil na organização. A partir disso, o secretário-geral da organização, Angel Gurría, elaborou um plano, que previa a ampliação da OCDE com seis países, com um cronograma para o início das negociações de adesão.

A candidatura da Argentina seria formalizada agora; a da Romênia em dezembro; a do Brasil em maio de 2020; a do Peru em dezembro de 2020, a da Bulgária em maio de 2021 e a da Croácia ficaria para depois.

Foi em resposta a esse plano que o secretário de Estado americano afirmou, na carta enviada a Gurría em 28 de agosto, que os Estados Unidos apoiam apenas as candidaturas da Argentina e da Romênia.

A proposta americana de endossar somente dois países, sem nem mencionar os demais, foi rejeitada pelos europeus. "Na realidade, hoje, nenhum dos processos está começando", diz uma fonte que acompanha as discussões.

Na avaliação de um diplomata brasileiro, os americanos, seguindo a visão de uma expansão gradual, não mencionaram o Brasil e os demais países na carta ao secretário-geral da OCDE, para que isso não configurasse o adiantamento de um compromisso, como uma nota promissória.

Essa omissão dos Estados Unidos é "frustrante", diz ele, mas segue a lógica americana "de ir aos poucos". Ele afirma que o conselho da OCDE se reúne todos os meses e que a situação pode mudar rapidamente.

"Mas no momento é uma situação de impasse. Precisamos ver como vai evoluir", acrescenta.

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