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O que há por trás da queda nas exportações do petróleo da Venezuela?

Ángel Bermúdez

BBC News Mundo

14/10/2019 15h51

Durante uma entrevista em 2012, o então presidente venezuelano Hugo Chávez previu que até 2019 seu país estaria produzindo seis milhões de barris de petróleo por dia.

Essa data chegou, e a produção venezuelana é uma parte muito menor do que o falecido presidente previu, e também está passando por um processo de queda incessante.

De acordo com o relatório mais recente da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a extração de petróleo na Venezuela foi de 742 mil barris por dia em julho, pouco mais da metade da cifra de 2018 (1,35 milhão) e quase um terço do correspondente a 2017 (1,9 milhão).

A redução foi mais notável nas exportações, a partir das quais a Venezuela costumava embolsar nove em cada dez dólares que entravam no país.

Segundo dados da agência Bloomberg, as vendas de petróleo venezuelano caíram em setembro para 495 mil barris por dia - o que significa um regresso a valores próximos aos de 1950, quando foi de cerca de 489 mil barris por dia.

Dados coletados pela ClipperData, empresa especializada em monitorar o transporte marítimo global de petróleo, confirmam a queda nas exportações de petróleo da Venezuela para 492 mil barris por dia.

Esses números colocam a Venezuela atrás do Brasil e do México na exportação de petróleo a partir da América Latina.

Mas por que as expectativas de Chávez não se cumpriram?

Greve geral e sanções americanas

"As exportações caíram principalmente devido à falta de produção na Venezuela e, mais recentemente, como resultado das restrições que os Estados Unidos impuseram ao país", diz Jorge Piñón, diretor do Centro de Políticas Internacionais de Energia e Meio Ambiente da Universidade do Texas, nos EUA.

O especialista atribui o declínio da produção também à "politização" da empresa estatal de petróleo PDVSA ocorrida durante o governo de Hugo Chávez.

"A companhia devia ter mantido uma gestão empresarial, comercial, com uma visão de longo prazo - e não política. A partir dessa politização, que começou em 2003, vem esse declínio", explica.

Em fevereiro de 2002, Chávez nomeou como presidente da empresa Gastón Parra, economista de esquerda especializado em petróleo - mas que era visto como alguém de fora.

A gerência da estatal protestou na época contra a nomeação de outros dirigentes que, segundo as críticas, haviam sido alçados não por seus méritos, mas pela proximidade do governo.

O confronto escalou e, no final do ano, terminou em uma greve geral que durou cerca de dois meses. Depois, Chávez demitiu cerca de 20 mil dos 35 mil funcionários da empresa.

O economista José Toro Hardy, que era um dos diretores da PDVSA até Chávez chegar ao poder, ressalta que outro fator que causou o declínio da produção foi a Lei de Hidrocarbonetos, aprovada em 2008.

Com esse regulamento, o governo mudou os termos das associações que tinha com empresas petrolíferas estrangeiras que operavam no país, expropriando algumas enquanto outras saíram após acordos.

"Desde então, a produção está diminuindo. No ano passado e no ano anterior, houve uma forte redução; e em 2019, a situação ficou ainda mais complicada, principalmente pelas sanções aplicadas pelos Estados Unidos", diz Toro Hardy.

Com a intenção de sufocar economicamente o governo do presidente Nicolás Maduro, a quem considera ilegítimo, a Casa Branca aplica desde o início deste ano uma série de sanções contra a PDVSA. Isso desencorajou muitas empresas estrangeiras a trabalhar com a companhia venezuelana.

"Há cada vez menos navios-tanque dispostos a correr o risco de carregar petróleo da Venezuela", diz Toro Hardy.

O especialista explica que, com as dificuldades de exportar, a PDVSA passou a armazenar mais sua produção em tanques e navios ancorados em suas costas, mas aparentemente a capacidade de armazenamento foi atingida, de modo que não houve mais escolha "a não ser diminuir a produção".

Matt Smith, diretor de pesquisa de matérias-primas da ClipperData, atribui a queda nas exportações venezuelanas a "uma combinação de menor produção e declínio do interesse do mercado por seu petróleo de baixa qualidade".

"Apesar disso, os barris ainda estão chegando à China, Índia e certos destinos na Europa. Apesar das sanções, Cuba ainda é também receptora (do petróleo venezuelano)", diz ele.

Citando estimativas do Refinitiv Eikon e dados internos da PDVSA, a Reuters disse nesta quarta-feira que as exportações de petróleo da PDVSA aumentaram ligeiramente em setembro, em parte devido a exportações para Cuba, mas não o suficiente para reduzir os grandes estoques acumulados.

Efeitos para o país: 'É terrível'

Toro Hardy destaca que a queda nas exportações de petróleo tem um forte efeito na economia venezuelana.

"Para o país, é terrível, porque quase 97% das divisas que entravam no país vinham do petróleo", aponta.

"Isso leva a uma situação muito complexa porque trata-se de uma economia que depende cada vez mais das divisas, já que o chavismo expropriou mais de seis milhões de hectares de produção agrícola que eram produtivas. Por isso, agora é preciso importar grande parte dos alimentos."

O especialista diz que, se as vendas de fato tiverem caído abaixo de 500 mil barris por dia, isso consolida a saída do país do rol de países exportadores de petróleo mais importantes do mundo e entrada na categoria dos pequenos.

Jorge Piñón alerta para os riscos que essa tendência de queda persistente na produção e nas exportações acarreta.

"Isso tem um impacto crítico, porque se chegar a hora, e pode estar perto de ocorrer, de haver a necessidade de fechar os campos de petróleo, será muito difícil recuperar a produção anterior", afirma.

Piñón diz que, no segmento do petróleo, o fechamento de poços é considerado uma má decisão, porque, ao tentar reativá-los, eles nunca recuperam os níveis anteriores.

O especialista alerta ainda que, se essa trajetória for mantida, é possível que se chegue a um ponto em que "a Venezuela não consiga mais produzir petróleo".

"O único lugar em que algo assim aconteceu foi na Líbia, mas foi devido a uma guerra, não por causa da má administração de um ativo", disse.