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O que explica o interesse da China em investir no petróleo brasileiro?

Participação das empresas chinesas no consórcio vencedor do campo mais valioso, o de Búzios, foi de apenas 10% - EPA/YUKI NISHIZAWA
Participação das empresas chinesas no consórcio vencedor do campo mais valioso, o de Búzios, foi de apenas 10% Imagem: EPA/YUKI NISHIZAWA

Nathalia Passarinho

Da BBC News Brasil em Londres

11/11/2019 11h55

A China foi o único país estrangeiro a ter empresas dando lance nos dois leilões do pré-sal realizados pelo governo brasileiro nesta semana.

Nenhuma empresa de outro país, além de Brasil e China fez ofertas pelas dez áreas de petróleo oferecidas, embora companhias de 13 países, como Inglaterra, EUA e França, estivessem inscritas nos leilões.

Entre os motivos apontados para o desinteresse estão o alto valor cobrado de bônus de assinatura (preço previamente fixado, a ser pago pelo direito de explorar as reservas) e as indefinições sobre a indenização que a empresa vencedora teria que pagar à Petrobras pela descoberta das reservas pela estatal.

O que, então, explica o interesse da China que, diferentemente dos demais países, fez ofertas nos leilões de quarta (6/11) e quinta (7/11) organizados pela Petrobras?

De acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o investimento dos chineses no Brasil integra uma estratégia de curto e médio prazo do país em expandir sua rede de abastecimento de petróleo e gás pelo mundo.

Segunda maior economia do mundo, a China não possui em seu próprio território reservas de petróleo capazes de abastecer o mercado interno e garantir o rápido ritmo de crescimento.

Por isso, o presidente chinês, Xi Jinping, lançou nos últimos anos uma ofensiva para diversificar ao máximo as fontes de extração de gás e petróleo por empresas chinesas, com grandes investimentos em operações de petróleo na África e no Oriente Médio.

"Tem havido um grande esforço por parte das empresas de petróleo chinesas em assumir licenças e concessões para exploração de petróleo em diferentes partes do mundo. O objetivo dos chineses é impedir que o país dependa de um número limitado de fornecedores", explicou à BBC News Brasil a professora de legislação de petróleo Tina Hunter, da Universidade de Aberdeen, na Escócia.

Além disso, a parceria com a Petrobras nesse momento, por meio da participação no consórcio que arrematou a reserva de Búzios (RJ), pode indicar um gesto do governo chinês no sentido de aprofundar os laços com o Brasil, pouco após a visita do presidente Jair Bolsonaro ao país, apontam especialistas.

Sentindo o terreno

No "megaleilão" do pré-sal, realizado na quarta-feira (6/11), das quatro áreas oferecidas, duas foram arrematadas e duas não receberam propostas. No campo mais valioso, o de Búzios, a oferta foi vencida por um consórcio formado pela Petrobras com as empresas chinesas CNOOC e CNODC.

Os chineses, porém, vão entrar com apenas 10% do total, menos de R$ 7 bilhões, e o restante (R$ 61,2 bilhões) será pago pela Petrobras. Já para o outro campo, o de Itapu, a única oferta foi a da Petrobras.

A expectativa do governo Bolsonaro era receber R$ 106,5 bilhões pelas quatro áreas de exploração, mas o valor total arrecadado foi de R$ 69,9 bilhões por dois desses campos (Búzios, por R$ 68,2 bilhões, e Itapu por R$ 1,7 bilhão).

Dois dias depois, o governo fez um novo leilão para oferecer outros cinco campos do pré-sal. Mais uma vez, a China foi o único país a fazer uma oferta. Um consórcio entre a chinesa CNDOC e a Petrobras ficou com a única área arrematada na concorrência — o bloco Aram, o mais nobre entre os cinco oferecidos.

A professora Hunter, da Universidade de Aberdeen, explica que é da tradição dos chineses "sentir o terreno" antes de fazer grandes lances e investimentos em leilões de petróleo.

A China estaria, na visão dela, interessada em testar e avaliar as estratégias do atual governo para gestão de petróleo no Brasil para, nos próximos anos, investir mais pesado. Os campos que não foram arrematados nos dois leilões desta semana devem ser oferecidos novamente a partir do ano que vem.

"Uma participação de 10% (no consórcio de Búzios) é relativamente pequena. Para mim, isso se explica pelo interesse da China em adquirir primeiro uma experiência e um conhecimento prévios sobre o atual sistema de regulação e exploração de petróleo no Brasil, neste governo, para depois arriscar mais", diz Hunter.

"Esses 10% vão permitir à China ter informações privilegiadas, conhecimento interno, para avaliar uma participação maior nos próximos leilões."

Amplo investimento pelo mundo

A China é o segundo maior consumidor de petróleo do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Em prol de segurança energética, o governo Xi Jinping passou a investir pesado para garantir a presença de petroleiras chinesas na exploração de petróleo e gás em diferentes continentes, com investimentos na África, sobretudo em Angola e no Senegal, na Ásia Central e na América do Sul, especialmente na Venezuela.

Investir no Brasil seria um caminho natural diante dessa ambição de ampliar as fontes de fornecimento de petróleo e hidrocarbonetos, diz Hunter.

Faz cerca de 10 anos que a China passou a ter uma participação mais ativa em concorrências para exploração de campos do pré-sal e pós-sal. Em 2012, um consórcio com a presença das estatais China National Petroleum Corporation (CNPC) e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) venceu o leilão do campo de Libra, um dos maiores do pré-sal. Juntas, as duas empresas têm 20% de participação no consórcio.

Na época, a China já tinha participação em 11 blocos de petróleo.

"Com a rápida industrialização da China, meio bilhão de pessoas estarão se deslocando para a classe média no país nos próximos 20 anos. Então, há um grande desejo e necessidade de recursos naturais para manter esse crescimento. Petróleo e gás estão entre eles", ressalta a professora Tina Hunter.

Interesse em melhorar relações políticas com o Brasil

Outra hipótese que pode explicar a participação chinesa nos últimos leilões do pré-sal é o interesse em reforçar as relações com o governo brasileiro. A China é o principal parceiro comercial do Brasil e o maior importador de óleo bruto e petróleo brasileiro — adquiriu 56% do petróleo exportado pelo nosso país em 2018.

Mas os primeiros meses de governo Bolsonaro e a forte proximidade do presidente brasileiro com Donald Trump levantaram questionamentos sobre se as relações do Brasil com a China no atual governo seriam afetadas negativamente.

Após passar parte da campanha fazendo duras críticas à China e chegar a dizer que os chineses estariam interessados em "comprar o Brasil", Bolsonaro mudou o discurso após tomar posse e passou a defender um reforço no comércio bilateral.

"Era uma preocupação que a gente tinha que a postura antichinesa pudesse contaminar a relação bilateral, mas não é isso que está acontecendo", disse Christopher Garman, diretor da consultoria internacional Eurasia Group.

"Temos uma retórica muito forte, belicosa, polarizante. Mas a política externa está sendo conduzida pelo lado mais pragmático, tanto com a China quanto na maneira de negociar acordos de livre comércio."

No final de outubro, Bolsonaro fez uma visita de Estado a Pequim e assinou 11 acordos de cooperação, principalmente nas áreas de energia e agronegócio. Durante a viagem, o presidente convidou Xi Jinping a participar do megaleilão do pré-sal, que era anunciado pelo governo brasileiro como o maior leilão de óleo e gás da história.

O convite foi feito durante o discurso de abertura da reunião bilateral entre os dois líderes, no segundo dia da visita oficial de Bolsonaro a Pequim e um ano após o presidente reclamar que a China 'compraria o Brasil'.

"Aproveito a oportunidade para convidar a China para participar do maior leilão que se tem notícia, que é o leilão de óleo e gás", disse o presidente.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, já prevendo a possibilidade de fracasso dos leilões do pré-sal, o presidente brasileiro teria aproveitado a viagem à China para pedir a Xi Jinping que petroleiras chinesas participassem dos certames.

Conforme o jornal, após o aval de Xi Jinping, representantes da Petrobras teriam viajado até a China para negociar a formação de um consórcio com as empresas chinesas. Duas estatais da China toparam participar do certame, mas com participação bem menor que a da Petrobras.

"A China está interessada em ter acesso, mas não quer se expor nesse momento, principalmente numa área muito grande de exploração", avalia Tina Hunter, da Universidade de Aberdeen.

E que fatores afastaram outras empresas estrangeiras?

Segundo a professora escocesa, três fatores costumam contar para um fracasso de um leilão: área ofertada de baixa prospecção (pouca quantidade de petróleo ou de petróleo de difícil acesso), termos e condições ruins no contrato de concessão e risco de instabilidade política no país que realiza o certame.

No caso do megaleilão do pré-sal, o risco da operação era baixo e a capacidade de produção de petróleo era alta, principalmente no campo de Búzios. Isso porque a Petrobras já havia feito todo o trabalho de descoberta e avaliação do volume passível de ser explorado.

A estatal brasileira prospectou 5 bilhões de barris desde 2010 e a estimativa é que os campos ofertados possam produzir entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris adicionais.

A instabilidade política e econômica pode ter tido algum peso no desinteresse internacional, diz Hunter, mas ela destaca que o Brasil é considerado mais estável que diversas nações que receberam forte investimento da China na área de petróleo, especialmente na África e no Oriente Médio.

Portanto, especialistas apontam que os termos e condições do contrato de concessão foram os fatores que mais pesaram para o desinteresse internacional. No megaleilão do pré-sal, havia um valor fixo a ser pago para cada um dos campos, o chamado bônus de assinatura.

Neste caso, a disputa se dá na quantidade de petróleo que os consórcios se dispõem a entregar ao governo durante o período de contrato (30 anos).

Como não houve concorrência (e as únicas estrangeiras a participar foram as que se uniram à Petrobras), os campos foram arrematados pelo lance mínimo previsto. Seria possível optar por valor fixo de bônus mais baixo e uma maior quantidade de petróleo, mas a equipe econômica do governo insistiu no valor de R$ 106 bilhões para as quatro reservas ofertadas no megaleilão de quarta-feira.

"Ficou muito claro que o governo errou a mão na definição dos bônus, cobrou caro demais. O fato de a geologia na área ser de baixíssimo risco, e a oferta era por campos com petróleo já descobertos, expõe esse erro ainda mais", disse o economista Edmar Fagundes de Almeida, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Além da vontade de "sentir o terreno" antes de arriscar uma participação maior, o valor elevado do bônus de assinatura pode ter contribuído para a participação de apenas 10% da China no consórcio que arrematou a área mais valiosa do pré-sal, o campo de Búzios.

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