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Reino Unido fecha as portas para trabalhadores não qualificados; entenda como será o sistema

Apoiadores do Brexit se reúnem na Praça do Parlamento, em Londres, na Inglaterra, para celebrar saída da União Europeia - Stephen Chung/Xinhua
Apoiadores do Brexit se reúnem na Praça do Parlamento, em Londres, na Inglaterra, para celebrar saída da União Europeia Imagem: Stephen Chung/Xinhua

19/02/2020 15h34

Trabalhadores pouco qualificados não vão ser contemplados com vistos de trabalho no Reino Unido, segundo a política de imigração que será implementada agora que o Brexit —a saída britânica da União Europeia (UE) — foi concretizado.

Em vez disso, o governo do premiê Boris Johnson está encorajando empregadores a "deixarem de contar com" mão de obra barata da Europa e investir na retenção de funcionários e no desenvolvimento de tecnologia de automação.

A mudança faz parte de um novo conjunto de regras de imigração que devem entrar em vigor a partir de 1º janeiro de 2021, quando termina a livre circulação de cidadãos entre Reino Unido e UE.

Os mais afetados por essas novas diretrizes seriam os europeus, incluindo os brasileiros com dupla cidadania, que hoje podem trabalhar e viver no Reino Unido sem um visto de trabalho.

Atualmente, o processo de imigração de um cidadão não europeu ao Reino Unido é bastante rigoroso, ainda que a concessão de vistos de trabalho para esse grupo venha crescendo. No ano passado, foram concedidos 189.459 vistos de trabalho, alta de 11% em relação a 2018.

A Índia lidera a lista (56.241). Pouco mais de 1,5 mil brasileiros solicitaram o visto de trabalho. Desse total, menos de 100 tiveram o pedido rejeitado.

Mas, segundo o governo britânico, europeus e não europeus vão ser "tratados da mesma forma" a partir do ano que vem.

O Reino Unido deixou a UE no dia 31 de janeiro, após seguidos atrasos, sacramentando uma decisão tomada nas urnas em 2016, quando a maioria dos eleitores votou pela saída em um plebiscito.

Iniciou-se, no início de fevereiro, o chamado período de transição, durante o qual haverá tentativas de chegar a um acordo de livre comércio com a União Europeia. A data limite para isso é 31 de dezembro deste ano.

O Partido Trabalhista, que faz oposição a Boris Johnson, disse que um "ambiente hostil" dificultaria a atração de trabalhadores.

Mas a secretária do Interior, Priti Patel, disse à BBC que o governo quer "incentivar pessoas com o talento adequado" e "reduzir os níveis de pessoas que chegam ao Reino Unido com poucas habilidades".

De acordo com a nova política de imigração, a definição de trabalhadores qualificados seria expandida para incluir aqueles com nível de escolaridade com Ensino Médio, e não apenas graduação, como atualmente é o caso.

Garçons e certos tipos de trabalhadores agrícolas seriam removidos da nova categoria, mas profissões como carpinteiro, gesseiro e babá seriam acrescentados à lista.

Como vai funcionar?

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Imagem: Toby Melville/Reuters

O governo quer criar um sistema de imigração "baseado em pontos", como prometido durante a campanha eleitoral no ano passado. Com isso, todos os cidadãos estrangeiros vão ter que obter, no mínimo, 70 pontos em uma escala para poder trabalhar no Reino Unido.

Falar inglês e ter a oferta de um emprego qualificado com um "patrocinador aprovado" daria a eles 50 pontos. Seriam concedidos mais pontos por qualificações, salário mínimo oferecido e trabalho em setor com escassez de mão de obra.

Atualmente, trabalhadores de países do chamado Espaço Econômico Europeu têm o direito automático de viver e trabalhar no Reino Unido, independentemente de seu salário ou nível de habilidade.

O governo diz que isso terminará quando o período de transição pós-Brexit chegar ao fim.

Níveis de remuneração

O salário mínimo anual exigido de trabalhadores qualificados que desejam vir para o Reino Unido seria reduzido de 30 mil libras para 25,6 mil libras.

No entanto, o governo diz que esse limite poderia cair ainda mais, para 20.480 libras, para pessoas em "ocupações específicas em escassez" — que atualmente incluem enfermagem, engenharia civil, psicologia e balé clássico — ou para aqueles com doutorado relevante para um trabalho específico.

Mas não haveria mais um teto para o número de trabalhadores qualificados que poderiam entrar no Reino Unido.

E os setores com salários mais baixos?

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Imagem: Daniel Leal-Olivas/AFP

O governo disse que não criará uma regra para trabalhadores menos qualificados e de salários mais baixos e recomendou às empresas que "se adaptem e se ajustem" ao fim da livre circulação entre os países da UE e o Reino Unido.

Mas entidades que representam setores agrícola, de alimentação e de enfermagem estão alertando que será difícil recrutar trabalhadores sob o novo sistema.

O Royal College of Nursing, maior entidade sindical dos enfermeiros no Reino Unido, disse que as propostas "não atendem às necessidades de saúde e assistência da população".

A presidente da União Nacional dos Agricultores, Minette Batters, mostrou "sérias preocupações" sobre o "fracasso em reconhecer as necessidades britânicas de alimentos e agricultura".

E a Federação de Alimentos e Bebidas mostrou-se preocupada com a possibilidade de que padeiros, processadores de carne e trabalhadores produzindo alimentos como queijo e macarrão não se qualifiquem sob o novo sistema.

No entanto, o governo disse que poderia quadruplicar o número de vagas, para 10 mil, para atender às necessidades do setor agrícola, bem como firmar "arranjos de mobilidade" permitindo que 20 mil jovens venham trabalhar no Reino Unido a cada ano.

Direitos a benefícios

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Imagem: Henry Nicholls/Reuters

Segundo o plano, todos os imigrantes só teriam direito a benefícios sociais como seguro-desemprego após receberem a residência permanente, concedida geralmente após cinco anos vivendo no país.

Atualmente, os cidadãos da UE no Reino Unido podem reivindicar benefícios se forem "economicamente ativos".

Para Diane Abbott, do Partido Trabalhista, o governo "não parece ter pensado sobre quais serão os efeitos dessa política na economia como um todo e que mensagem ela envia aos imigrantes que já moram e trabalham aqui".

A porta-voz de assuntos internos do Partido Liberal Democrata, Christine Jardine, disse que as propostas são baseadas na "xenofobia".

E a primeira-ministra da Escócia e líder do SNP (Partido Nacional Escocês), Nicola Sturgeon, disse que os planos seriam "devastadores" para a economia escocesa.