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Nova Rota da Seda: como a pandemia de coronavírus ameaça a maior iniciativa de política externa da China

Presidente da China, Xi Jinping, chega em apresentação em Macau - JASON LEE
Presidente da China, Xi Jinping, chega em apresentação em Macau Imagem: JASON LEE

María Elena Navas

23/06/2020 13h04

Considerada um dos projetos de infraestrutura mais ambiciosos já concebidos, a Nova Rota da Seda chinesa foi lançada em 2013 pelo presidente chinês Xi Jinping, com diversos programas de desenvolvimento e investimento, incluindo em regiões da Ásia, Europa, África e América Latina.

Para Pequim, está é a principal estratégia econômica e de cooperação internacional do atual governo. Para os críticos, é uma campanha do gigante asiático para utilizar a "diplomacia da ajuda" para expandir sua influência ao redor do mundo.

Muitos países que receberam empréstimos vultosos da China estão agora com enormes dificuldades, e dizem a Pequim que não têm condições de pagá-los.

A situação com a pandemia de covid-19 se agravou bastante, e muitos se perguntam se este é o fim da Nova Rota da Seda do presidente Xi ou é mais um obstáculo que será superado com a recuperação da economia global.

Alto risco

Desde que Xi anunciou sua iniciativa, em 2013, a China tem concedido ou prometido centenas de milhões de dólares em empréstimos ou subsídios para a construção de usinas de geração de energia elétrica, gasodutos, portos, aeroportos e ferrovias em 138 países da África, da Ásia, da Europa e da América Latina.

Segundo a consultoria RWR Advisor, sediada em Washington (EUA), desde 2013 a China já emprestou US$ 461 milhões (cerca de R$ 2,4 bilhões em valores convertidos atualmente) a nações, principalmente da África, e devedoras de alto risco.

Howard Zhang, editor da BBC China, explica que a iniciativa da Nova Rota da Seda recebeu críticas dentro da China desde seu lançamento: "A cúpula dirigente de Pequim nunca esteve em consenso sobre a estratégia."

Segundo ele, "muitos questionaram a sabedoria da estratégia do presidente Xi, e alguns até sugeriram que o projeto é essencialmente extravagante, um buraco sem fundo". No Ocidente, países como os Estados Unidos também criticaram a "agressiva estratégia de empréstimos" a nações frágeis.

Mas Lauren Johnston, pesquisadora da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, acredita que a maioria dos acordos de investimento da Nova Rota da Seda tem beneficiado as duas partes envolvidas.

"Para os governos que precisam de acesso ao financiamento, seja para novas infraestruturas ou para o desenvolvimento de seus jovens, mesmo que isso esteja associado a uma dívida com a China, os benefícios continuam superando os custos potenciais", disse Johnston à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Atualmente, há relatos de que, como resultado da pandemia, vários países, incluindo Paquistão, Quirguistão, Sri Lanka e várias nações africanas, solicitaram à China que adie ou perdoe os pagamentos de dívidas que estão vencendo neste ano.

Isso colocou a China em uma posição difícil: se adiar ou perdoar dívidas, poderá colocar seu próprio sistema financeiro sob pressão e provocar uma reação negativa de sua população, que também está sofrendo os efeitos econômicos da pandemia.

Por outro lado, se a China exigir que seus devedores cumpram seus pagamentos, isso poderá gerar críticas duras em todo o mundo, principalmente entre críticos que classificaram antes a iniciativa Nova Rota da Seda como uma "armadilha de dívida".

Em abril, o G20, grupo de países que inclui a China, concordou em permitir que 73 nações suspendessem os pagamentos do juro da dívida até o final de 2020, que se acredita incluir bancos chineses.

Mas o que vai acontecer depois dessas prorrogações? Haverá calote ou retomada? "Não se sabe atualmente o estado em que estão as finanças de cada país e com quais recursos ainda contam", afirma Johnston.

"Não estou dizendo que será fácil para esses países fazer os pagamentos acertados, mas especular sobre o que acontecerá em sete meses, com o nível de incerteza atual, é muito ousado", completa.

A pesquisadora não acredita que a China vá perdoar dívidas. A caridade, diz, não é algo que faz parte da cultura chinesa. Provavelmente, como disse um assessor do governo chinês que não quis ser identificado, ao jornal Financial Times, Pequim vai optar apenas por suspender o pagamento de juros dos empréstimos.

E alguns, disse, podem até ter permissão para renegociar seus empréstimos. "Perdoar dívidas permanentemente", disse ao Financial Times, "será a última opção".

Momento ruim

Para a China, tudo isso está acontecendo em um momento em que não está apenas enfrentando questionamentos sobre sua condução do início da pandemia de covid-19 iniciada em Wuhan, mas também está sob pressão de guerra comercial do presidente dos EUA, Donald Trump.

Para Howard Zhang, da BBC China, isso pode significar um revés para o presidente Xi: "Em geral, a maioria dos empréstimos (da Nova Rota da Seda) foi feita em dólares americanos."

"Com uma guerra comercial com os Estados Unidos, a China está sentindo cada vez mais a escassez de dólares. Isso deixará o país com muito poucas opções, e o governo Xi terá sido incrivelmente impotente e incompetente se os países em desenvolvimento não puderem pagar seus empréstimos", diz.

A iniciativa da Nova Rota da Seda, no entanto, tem sido o pilar econômico e político do presidente Xi nos assuntos internacionais — e é improvável que ele a abandone agora.

Rota Digital e Rota da Saúde

A pandemia, por outro lado, pode também oferecer novas oportunidades à China para implementar outras iniciativas incorporadas à Nova Rota da Seda: a Rota da Seda da Saúde e a Rota da Seda Digital.

Ambas foram integradas ao projeto em 2017, e desde então a China tem construído infraestrutura de telecomunicações, hospitais e instalações sanitárias numa perspectiva de maior conectividade sanitária e digital pan-euroasiática. Há também formação médica e envio de equipes aos países membros dessa iniciativa.

Para Lauren Johnston, da Universidade de Londres, durante a crise do coronavírus ambos os programas têm sido priorizados por Pequim. A questão agora é: Pequim deve repensar suas ambições ou isso é apenas uma pausa na jornada da Nova Rota da Seda?

"Não acho que a abordagem chinesa mude fundamentalmente, porque os países continuarão precisando do que a China está oferecendo a eles", diz Johnston. "Acho que a estratégia futura da China será decidida país a país."

Na avaliação dela, "Pequim se concentrará em países que demonstrem que podem se recuperar com relativa rapidez e que demonstrem que tudo está indo como planejado, apesar da pandemia".

"Porque, afinal, os países continuarão precisando de estradas, pontes, fábricas. Eles continuarão desejando negociar e desenvolver suas economias e continuarão desejando todas as coisas que lhes foram oferecidas antes da pandemia ", conclui a pesquisadora.