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Por que as filas pequenas são um grande problema

O público do Glastonbury aguarda pacientemente na fila para participar do festival de música - Getty Images
O público do Glastonbury aguarda pacientemente na fila para participar do festival de música Imagem: Getty Images

Chris Baraniuk - BBC Work Life

26/11/2020 21h12

Se você vale muito dinheiro para o Banorte, um dos maiores bancos do México, saberá assim que entrar em uma de suas 900 agências.

Quando você passa o cartão de crédito na entrada, os funcionários recebem uma mensagem avisando que você está no prédio - e que tem preferência. Basta seguir então o assistente que te recebe - e não, não se preocupe, você não precisa entrar na fila como todo mundo.

Tudo isso é possível graças à tecnologia desenvolvida pela Wavetec, empresa especializada em "sistemas de gerenciamento de filas".

Os clientes da Wavetec buscam cada vez mais novas maneiras de dar prioridade a clientes especiais ou importantes, para que seus serviços possam ser personalizados. Isso significa tratamento especial para um grupo seleto.

A segregação pode ser feita por meio do cartão de crédito, mas a Wavetec também está experimentando outras ferramentas. Por exemplo, a tecnologia Bluetooth pode ser usada para rastrear os telefones das pessoas que passam por uma determinada empresa, para que os funcionários saibam quando um cliente importante está próximo.

"A tecnologia está aí pra ser usada, certo?", diz Tobias Bessone, vice-presidente executivo da Wavetec.

"É apenas uma questão de as pessoas aceitarem ou não."

Mas esse é o problema. Nem todo mundo está entusiasmado com o aumento das "filas preferenciais" ou dos chamados sistemas de "fura-fila", que muitas vezes preveem o pagamento de uma taxa adicional para que se possa ser atendido mais rapidamente.

O conceito, considerado um fenômeno americano, está agora se espalhando pelo mundo. As filas podem ser efetivamente "furadas" em toda a parte, da segurança do aeroporto até festivais de música. Basta comprar um ingresso de acesso rápido ou entrada VIP.

É comum as pessoas acamparem na fila antes do lançamento de produtos da Apple ? pulseiras numeradas marcam seu lugar, sendo possível sair por até uma hora nos intervalos das refeições - Alamy - Alamy
É comum as pessoas acamparem na fila antes do lançamento de produtos da Apple ? pulseiras numeradas marcam seu lugar, sendo possível sair por até uma hora nos intervalos das refeições
Imagem: Alamy

Em 2017, Julian Baggini, colunista do jornal britânico The Guardian, escreveu que isso representava uma apropriação da "cultura de que o dinheiro fala mais alto".

Embora argumente que as filas nunca foram tão democráticas quanto sugeriam - os ricos sempre foram tratados de maneira diferenciada -, as filas preferenciais evidenciam o poder do dinheiro, segmentando a sociedade.

Mas o fato é que o acesso prioritário está sendo adotado em cada vez mais lugares.

As filas para comprar ingresso para o Torneio de Wimbledon, em Londres, têm regras de comportamento e acampamento noturno - Getty Images - Getty Images
As filas para comprar ingresso para o Torneio de Wimbledon, em Londres, têm regras de comportamento e acampamento noturno
Imagem: Getty Images

Costumava ser uma prerrogativa de parques de diversão, como a Disney, onde um ingresso mais caro permite aos visitantes furar a fila das principais atrações.

Mas passar na frente nos bancos - e até mesmo para tirar uma foto com o Papai Noel - sinaliza que o conceito foi ampliado em alguns países.

Há, no entanto, discussões sobre a legalidade das filas preferenciais em certos contextos. O advogado constitucional Andrew Le Seur argumenta que ter a opção de pagar pelo fast-track para não pegar fila ao entrar no Reino Unido, por exemplo, parece ser conflitante com os princípios de direitos humanos dos viajantes.

"Deliberações privadas e mais rápidas não devem ser compradas e vendidas pelo Estado", afirma Le Seur.

Tempo x dinheiro

Serviços públicos à parte, as filas prioritárias muitas vezes fazem sentido, diz Ayelet Fishbach, especialista em ciência do comportamento da Booth School of Business, da Universidade de Chicago, nos EUA.

Segundo ela, ter uma fila de acesso prioritário permite que as pessoas escolham que recursos desejam usar - tempo ou dinheiro. Para muita gente, o tempo é mais precioso que o dinheiro, portanto, poder pagar para economizar tempo tem seu custo-benefício.

E os clientes que não recorrem à opção de acesso rápido podem sair ainda assim com uma imagem positiva do serviço de atendimento ao cliente - desde que a fila principal não demore uma eternidade.

"Isso comunica um bom serviço, mesmo que as pessoas optem por não usar", diz Fishbach.

Ela também argumenta que, em muitas situações, o ato de fazer fila aumenta o valor percebido de um produto ou serviço. Às vezes, isso não dá certo - afinal, ninguém gosta de esperar duas horas nos correios apenas para enviar um pacote.

O esquema de passes para furar fila costumava ser prerrogativa de parques de diversão, mas o conceito está muito mais difundido agora - Alamy - Alamy
O esquema de passes para furar fila costumava ser prerrogativa de parques de diversão, mas o conceito está muito mais difundido agora
Imagem: Alamy

Em outras ocasiões, contudo, as pessoas aceitam as filas de braços abertos. Recentemente, milhares de pessoas viraram a noite na fila para comprar um par de tênis desenhado pelo rapper Kanye West - e colocado à venda por R$ 1,2 mil.

As marcas de moda streetwear estão promovendo cada vez mais o lançamento de novos produtos dessa maneira - e as pessoas parecem adorar ficar na fila para levar a novidade para casa.

É uma espécie de fila recreativa, podemos assim dizer. É quando a camaradagem e a expectativa se encontram. É o que torna a espera de horas para conseguir um ingresso para o Torneio de Tênis de Wimbledon não apenas agradável, mas também motivo de orgulho nacional.

Qualquer empresa que pensa em oferecer uma fila prioritária deve considerar antes se faz sentido para a marca - o acesso rápido é algo que as pessoas realmente desejam? Ou poderia prejudicar e dificultar toda a experiência de fazer uma compra?

Nick Carroll, diretor adjunto de varejo da Mintel, empresa de pesquisa de mercado, ressalta que, no contexto de compras de supermercado, as filas continuam irritando os clientes - atualmente, 24% não estão satisfeitos com o tempo de espera.

Por isso, estão sendo testadas várias maneiras de fugir das filas nestes estabelecimentos.

"Há um interesse particular no que (a rede de supermercados) Sainsbury está fazendo em termos de oferecer o escaneamento do código de barras dos produtos via smartphone", diz Carroll.

E, segundo ele, mais da metade das pessoas de 16 a 34 anos acha que essa tecnologia deveria estar mais disponível nos mercados.

Assim como os caixas para até 10 volumes, essa é uma maneira de categorizar os clientes na tentativa de melhorar o fluxo por meio de um sistema de varejo.

Mas a questão mais complexa continua sendo quando as pessoas podem simplesmente pagar uma taxa para passar na frente. Isto é o que parece irritar muita gente.

Este fenômeno dita uma sociedade desigual? Tudo indica que a resposta é "sim" - mas, como lembra o colunista Baggini, essa divisão da sociedade sempre existiu.

E isso é um problema? Depende para quem você faz a pergunta.

"São apenas forças de mercado que gradualmente estão tomando conta de muitas coisas", explica Dick Larson, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos EUA.

Ele também destaca que a experiência das pessoas em uma fila não é necessariamente sobre quanto tempo elas passam nela. Mais importante, ao que parece, é o que acontece enquanto elas esperam.

Sabemos, por exemplo, que muitos arranha-céus de Nova York instalaram espelhos perto dos elevadores na era do pós-guerra, em um esforço para reduzir as reclamações sobre o tempo de espera. Em vez de aguardar o elevador de braços cruzados, os funcionários de empresas e os hóspedes de hotéis poderiam conferir sua aparência.

Com isso, as reclamações sobre o tempo de espera, que permaneceu inalterado, despencaram.

Sendo assim, passar um pouco mais de tempo na fila pode ser considerado injusto, se a experiência em si parecer incômoda.

Há outra maneira de ver isso tudo. Considere, simplesmente, a ideia de que as filas são antiquadas. Com a tecnologia e uma melhor compreensão do que os clientes querem, uma questão interessante pode ser levantada: por que alguém deveria ter que esperar na fila?

Tiffany Fountain, vice-presidente da empresa de análise de mercado Gartner, dá o exemplo das lojas da Apple, onde os clientes que precisam de um técnico para examinar um iPad ou MacBook quebrado podem agendar um horário antes de ir até lá.

"É como uma espécie de 'fura-fila', mas é mais preventivo. Antes de ir até a loja, você se certifica de que não haverá fila", diz Fountain.

Seja ao escanear produtos com o celular enquanto faz compras no supermercado ou ao efetuar pagamentos bancários online, em vez de ir até a agência, ficar parado de pé em uma fila para realizar algo parece cada vez mais arcaico.

As filas certamente nunca vão desaparecer por completo - como mencionamos acima, há momentos em que, de fato, apresentam um aspecto lúdico.

Mas todo mundo provavelmente compartilha a percepção de que as filas costumam ser desnecessárias. Se o negócio X ou o serviço Y se organizasse melhor, não precisaríamos ficar aqui parados por tanto tempo, certo?

Filas prioritárias e "fura-filas" talvez sejam apenas esquemas para ganhar dinheiro. Mas são esquemas que, apesar de tudo, atendem a uma demanda - já que, na maioria das vezes, ninguém quer ficar esperando.