Novo imposto anunciado por países ricos a multinacionais não é suficiente, apontam analistas
Um acordo histórico anunciado ontem (05/06) pelos países mais ricos para fazer as multinacionais pagarem mais impostos não traz avanços suficientes, criticam especialistas.
Reunidos em Londres, ministros da economia do G7, grupo que inclui Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Itália e Japão, além da União Europeia, concordaram em combater a evasão fiscal, forçando as multinacionais a pagar mais impostos nos países onde fazem negócios.
As gigantes da tecnologia, como Google, Amazon, Apple e Facebook, provavelmente serão mais afetadas, mas parecem ter recebido bem as novas regras.
Já a Oxfam, uma instituição internacional que combate a pobreza, entende que um imposto corporativo global com uma taxa de 15%, como foi acordado, estabelece um valor "muito baixo" para realmente fazer a diferença.
O acordo anunciado pelo G7 pode resultar num fluxo de bilhões de dólares para que governos consigam pagar dívidas contraídas durante a pandemia de covid-19.
O Chanceler do Tesouro do Reino Unido, Rishi Sunak, disse que o acordo criaria "um sistema tributário mais justo para o século 21".
Durante a reunião, os participantes concordaram que as empresas multinacionais precisarão pagar uma alíquota mínima de 15% em cada país em que operam.
Mas analistas reforçam que essa porcentagem é muito reduzida e não impediria a operação das empresas em paraísos fiscais.
"É um absurdo que o G7 anuncie que está 'reformando' um sistema tributário global falido, estabelecendo um imposto que é semelhante às alíquotas brandas cobradas por paraísos fiscais como Irlanda, Suíça e Cingapura", aponta Gabriela Bucher, diretora-executiva da Oxfam.
"A taxa estabelecida é tão baixa que as empresas podem simplesmente ultrapassá-la", entende
Bucher avalia que o acordo é injusto, pois beneficia os membros do G7, onde muitas das grandes empresas estão sediadas, em detrimento das nações mais pobres.
Alex Cobham, presidente-executivo da Tax Justice Network, uma coalizão de pesquisadores e especialistas em sistemas tributários, avalia que o acordo é um "ponto de virada", mas que as regras continuam "extremamente injustas".
"Demos um passo à frente com a ideia de uma taxa mínima de imposto, mas precisamos ter certeza de que os benefícios e as receitas provenientes disso serão distribuídos de forma justa em todo o mundo", interpreta.
O acordo do G7 seguirá em pauta e será discutido no próximo mês durante uma reunião do G20, grupo que inclui também Brasil, Índia, China, África do Sul, Rússia e outras nações.
Por que mudar as regras?
Os governos enfrentam há muito tempo a dificuldade em tributar empresas globais que operam em vários países ao mesmo tempo.
Esse desafio ficou ainda maior com o crescimento vertiginoso de grandes corporações de tecnologia, como Amazon e Facebook.
De acordo com as regras atuais, as empresas podem abrir filiais e declarar seu lucro a partir de países que oferecem impostos mais baixos e vantajosos.
Na prática, isso significa que elas pagam apenas as taxas dos lugares onde estão as filiais, mesmo que parte importante desse lucro venha de vendas realizadas em outros países.
Essa estratégia não é ilegal e costuma ser algo comum entre as multinacionais.
O novo acordo visa impedir que isso continue a acontecer de duas maneiras diferentes.
Em primeiro lugar, o G7 quer que as empresas paguem mais impostos nos países onde elas oferecem produtos ou serviços, e não apenas onde declaram seus lucros.
Segundo, a ideia de uma alíquota global mínima de 15% evitaria que os países criem regras próprias, o que estimularia alguns locais a adotarem porcentagens mais baixas e prejudiciais aos demais.
Análise de Faisal Islam, Editor de Economia da BBC
O direito de tributar é a essência do poder soberano dos países. É por isso que uma ação internacional coordenada é tão difícil.
Essa ideia de um imposto global sobre multinacionais é um sonho de ativistas e ministros europeus há anos. Eles dificilmente acreditariam que isso poderia se tornar realidade. Mas a necessidade de encher os cofres esvaziados pela pandemia e a chegada do governo Joe Biden aos Estados Unidos criaram essa oportunidade.
No entanto, uma taxa mínima de 15% é bastante baixa. Os ministros das Economia dos países europeus conseguiram incluir o termo "pelo menos" 15%, o que abre uma possibilidade de aumentar esse número.
O impacto que o anúncio pode trazer na prática é algo que dependerá das letras miúdas das negociações que estão em andamento.
As empresas de tecnologia parecem ter saudado a mudança. O vice-presidente do Facebook, Nick Clegg, disse reconhecer que isso pode significar que a companhia "está pagando mais impostos e em lugares diferentes".
E ainda há a questão de como isso será discutido no resto do mundo. A proposta agora vai sair do G7 para ser avaliada no G20, um grupo mais amplo que reúne China, Rússia e Brasil.
É possível afirmar que um processo começou, um precedente foi aberto e isso pode ser transformador (ou não).
Mas não dá pra ignorar que esse é um momento histórico.
Como o acordo funcionaria na prática?
As regras sobre obrigar as multinacionais a pagar impostos onde elas realmente operam se aplicariam às empresas com uma margem de lucro superior a 10%.
Acima desse valor, 20% do lucro seriam realocados e tributados nos países onde os produtos ou serviços foram oferecidos, segundo o comunicado do G7.
A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, disse que havia um entendimento de que os impostos nacionais sobre serviços digitais, como os cobrados pelo Reino Unido e países da União Europeia, seriam eliminados e substituídos pelo novo acordo.
Esses impostos são considerados injustos pelos americanos, que entendem que as taxas são ruins para as gigantes da tecnologia do país.
"Os detalhes ainda precisam ser acertados, mas há um consenso de que essas duas medidas [a taxação das multinacionais e os impostos sobre serviços digitais] são coisas que andam de mãos dadas", disse o secretário do Tesouro americano.
Com impostos mais baixos, a Irlanda pode perder muito com o acordo do G7. Seus representantes disseram que as preocupações de outros países precisam ser levadas em consideração.
Como as empresas reagiram?
Após o anúncio, as gigantes da tecnologia fizeram uma avaliação otimista.
"Queremos que o processo de reforma tributária internacional seja bem-sucedido e reconhecemos que isso pode significar que o Facebook pagará mais impostos e em lugares diferentes", admite Clegg, vice-presidente da empresa.
Um porta-voz da Amazon, por sua vez, disse que o acordo é um "passo à frente" para trazer "estabilidade ao sistema tributário internacional".
Já um representante do Google declarou apoio ao "trabalho que está sendo feito para atualizar as regras tributárias internacionais".
"Esperamos que os países continuem a trabalhar juntos para garantir que um acordo equilibrado e duradouro seja finalizado em breve."
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