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Análise: Brasil olha para o Congresso na esperança de encerrar crise

Raymond Colitt e David Biller

15/04/2016 14h22

(Bloomberg) -- Do outro lado da cidade onde os parlamentares decidirão o destino da presidente Dilma Rousseff no domingo (17), o vendedor de automóveis Felipe Bandeira olha para a concessionária vazia, lamentando a pior temporada de vendas que ele já viu.

"Todo mundo está esperando para ver o que acontece em 17 de abril", disse Bandeira, que enfrentou queda de 40% nas vendas neste ano e presenciou a demissão de 100 funcionários do grupo. "É uma situação terrível - a maioria das pessoas não tem dinheiro para comprar um carro e quem tem está atormentado com incerteza."

A crise política e um escândalo de corrupção que já dura dois anos deixaram a maior economia da América Latina de joelhos. Agora, o país olha para o Congresso para que acabe o impasse político. A Câmara de Deputados vota no domingo se dá seguimento ao impeachment de Dilma, em um processo que pode colocar o vice-presidente Michel Temer no cargo.

Os mercados financeiros dispararam com a perspectiva de um governo Temer que daria mais apoio aos empresários e colocaria a economia de volta aos trilhos. Mas a realidade é que a economia brasileira está mergulhada em sua pior recessão em um século. O modelo de crescimento puxado pelo consumo perdeu fôlego, o movimento de alta das commodities ficou no passado e os exportadores não podem esperar muito da China, que lida com seus próprios problemas. Também há pouco espaço para medidas de estímulo, dado o tamanho do deficit público e da inflação.

Otimismo demais?

"O mercado pode estar exagerando, Temer não vai necessariamente consertar os problemas", disse André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos em São Paulo. "Os polos dinâmicos não existem na economia - só existe solução no médio e longo prazo."

A velocidade da queda da economia brasileira tem impressionado. Em 2010, o Brasil era um queridinho de Wall Street, com crescimento de 7,5%. Hoje, sofre de depressão econômica e perdeu o grau de investimento que já foi tão cobiçado. Acusações de que o governo tentou cobrir o deficit recorrendo aos cofres dos bancos estatais estão no centro dos pedidos de impeachment e Dilma foi obrigada a congelar sua agenda econômica.

Aumento do desemprego, queda de salários e os juros mais altos em mais de uma década são um remédio amargo para muitas das 40 milhões de pessoas que saíram da pobreza durante os anos de prosperidade e se acostumaram com o conforto de uma casa própria ou um carro.

Volta à pobreza

Aproximadamente 3,7 milhões de integrantes da classe média caíram na escala social entre janeiro e novembro do ano passado, de acordo com estudo do Bradesco. O salário médio real nas seis principais regiões metropolitanas diminuiu no ano passado pela primeira vez em mais de uma década.

Enquanto as discussões sobre impeachment ganharam força, a perspectiva econômica piorou. Os investimentos no Brasil recuaram por 10 trimestres consecutivos, chegando a 16,8% do Produto Interno Bruto em dezembro, praticamente metade da parcela observada na China. Em março, a Honda anunciou o adiamento da inauguração de uma fábrica em construção até que o país saia da crise política e econômica.

Economistas sondados pelo Banco Central agora calculam que a economia vai encolher 3,8% em 2016. Seis meses atrás, a previsão era de contração de 1%. Somando a queda de 3,8% do ano passado, seria a pior recessão já vista no Brasil em mais de um século. 

Desafio de Temer

"É preciso recuperar a confiança do setor privado e isso é realmente o mais importante para o Brasil e o grande desafio de Temer", disse Edwin Gutierrez, chefe de dívida soberana de mercados emergentes da Aberdeen Asset Management em Londres, que supervisiona uma carteira de US$ 11 bilhões.

Alguns começaram a enxergar oportunidade no turbilhão dos últimos meses. Luís Carlos Pereira, distribuidor de alimentos no atacado, passou a vender cornetas de plástico e bandeiras durante os protestos em Brasília para complementar a renda. Os negócios vão bem e Pereira fatura quase R$ 3.000 por dia.

"No começo, era um bom dinheiro", disse Pereira, de 56 anos. "Mas depois que as pessoas que vêm protestar fizeram estoque de bugigangas, até as vendas de coisas relativas à crise estão secando no Brasil."

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