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Opinião: Catástrofe é novo normal na Venezuela

Mac Margolis

09/05/2016 16h09Atualizada em 09/05/2016 16h54

(Bloomberg) -- Dar sentido ao retumbante desastre político e econômico da Venezuela não é fácil. Mas o maior mistério pode ser entender por que o país todo não está nas ruas para exigir o fim da revolução social que deixou um dos países com mais recursos naturais da América Latina em desordem.

A dúvida começa com o enigma de por que o país com a maior reserva de petróleo do mundo tem sofrido constantes cortes de luz. (Spoiler: em vez de usar petróleo para gerar eletricidade, o governo confia em hidrelétricas e não se planejou para a punitiva seca deste ano; além disso, negligenciou a construção de novas usinas de energia ou o investimento em sua infraestrutura, que está em ruínas).

E como o presidente Nicolás Maduro respondeu à crise energética? Reduzindo a semana de trabalho dos servidores públicos para dois dias. Juntamente com a licença, Maduro -- que preside o país em meio à pior recessão do mundo -- ordenou um aumento de 30 por cento do salário mínimo nacional. A importância do bônus liberado para agradar o público em um país com uma inflação de três dígitos, no qual os consumidores formam fila por horas e não conseguem encontrar oito dos 10 produtos básicos nos supermercados, é discutível. Sem contar que a Venezuela está literalmente ficando sem papel-moeda.

O fato é que o governo Maduro pode ter se perdido no caminho, mas ainda controla com mãos de ferro esse país com 30 milhões de habitantes. E essa influência residual, aliada à desordem entre os inimigos políticos do presidente, tem dado ao regime o benefício da dúvida frente ao público, mesmo em momentos de desespero.

Sim, há cinco meses uma rebelião do eleitorado entregou à oposição política a Maduro, que há tempos registrava baixo desempenho, o controle do Congresso, no qual o Partido Socialista Unido dava as cartas desde que o falecido Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, dando origem à sua versão de "Socialismo do Século 21".

A mudança de guarda alimentou as esperanças de que os dias de Maduro -- e da agitada autocracia que ele comandou -- estivessem contados. A oposição se mexeu rapidamente com base na promessa eleitoral de exercer pressão por uma mudança abrangente, mas logo chocou-se contra a parede.

Essa parede foi construída durante 15 anos de delimitações do "chavismo", que mantiveram outras instituições venezuelanas -- as Forças Armadas, os tribunais e a maior parte da imprensa, além dos orçamentos para mantê-los funcionando -- firmemente nas mãos do Palácio de Miraflores. "A Venezuela viu ditadores e autocratas, mas é diferente quando um partido controla todas as alavancas do poder ao mesmo tempo, como é o caso agora", me disse o historiador da Universidade de Nova York Alejandro Velasco.

Não ajuda o fato de os oponentes revoltosos de Maduro ainda não terem descoberto alternativas atraentes para a calamidade política e econômica que envolve o país. Em uma reunião história, no mês passado, a Mesa da Unidade Democrática, uma aliança pluripartidária de oposição, se reuniu para desenvolver uma estratégia comum.

Um lado defendeu mais manifestações nas ruas e a renúncia de Maduro. Outro propôs uma emenda constitucional para reduzir o mandato dele de seis para quatro anos, enquanto um terceiro pressionou por um referendo para removê-lo do cargo. Em vez de fecharem um acordo sobre uma abordagem unificada, "eles decidiram abraçar todas as opções ao mesmo tempo", disse David Smilde, especialista em Venezuela do Escritório de Washington para a América Latina (Wola, na sigla em inglês).

A falta de consenso jogou a favor do governo. "Ninguém diz que Maduro é um gênio político", disse Michael Shifter, do grupo de pesquisa Diálogo Interamericano. "Mas ele provou ser mais capaz do que as pessoas imaginavam".

Embora sete de cada 10 venezuelanos queiram a saída de Maduro, esse índice de aprovação é quase invejável em uma região na qual os líderes nacionais, desde a chilena Michelle Bachelet até o mexicano Enrique Peña Nieto, caíram em desgraça e a brasileira Dilma Rousseff está perto de sofrer um impeachment, observa o blogueiro venezuelano Francisco Toro, do "Caracas Chronicles".

Os venezuelanos não estão cegos em relação às falhas de seu líder, apenas intoxicados por uma crise tão implacável que transformou a disfunção em uma das constantes da vida. "As pessoas estão cansadas, mas além disso estão tão acostumadas à privação e às filas que é quase como se não esperassem que alguma coisa funcione bem", disse Javier Corrales, professor de Ciências Políticas da Amherst College, em Massachusetts.

Apesar de toda a sua discórdia, os líderes de oposição se saíram admiravelmente bem diante dos ridículos obstáculos burocráticos. Na semana passada, eles reuniram 10 vezes o mínimo de 200.000 assinaturas exigido para lançar sua petição de referendo, mas ainda precisam de 20% do total de eleitores registrados em todo o país para colocar o recall em votação. Para derrubar o presidente, será preciso reunir mais votos do que o total obtido por Maduro (7,5 milhões) na eleição de 2013.

Nada desse complicado processo importará se não for aprovado pelo Conselho Nacional Eleitoral, amigável ao regime, e depois pela toda poderosa Câmara Constitucional da Suprema Corte, a mais alta corte da Venezuela, repleta de amigos de Maduro.

Para completar, tudo precisa ocorrer antes de 10 de janeiro, quando o mandato de Maduro chega à metade, para que sejam permitidas novas eleições. Do contrário, o vice-presidente assumiria o controle e, assim, estenderia o calamitoso governo chavista -- juntamente com a agonia da Venezuela -- até 2019.