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Análise: Emergentes temem tom anticomércio nos EUA

Mohamed El-Erian

31/05/2016 14h30

(Bloomberg) -- Por algum tempo, o aperto da política monetária pelo banco central americano era percebido como a maior ameaça econômica externa às nações emergentes, principalmente dentro desses países.

A julgar pelas discussões com autoridades e agentes do setor privado, talvez não seja mais o caso. Outra preocupação - a retórica contra globalização e comércio exterior na eleição presidencial nos EUA - empurrou as preocupações em relação ao Federal Reserve para segundo plano, por bons e maus motivos.

Como banco central mais poderoso do mundo, o Fed tem enorme influência sobre fluxos de capitais transnacionais, taxas de câmbio, taxas de juros e apetite por risco.

O Fed impacta as interações entre condições financeiras e movimentos de câmbio e juros, especialmente em economias emergentes sem instituições tradicionalmente robustas, base de investidores sólida e capacidade suficiente de resposta via políticas governamentais.

Para nações com determinadas restrições, como grandes descasamentos de câmbio e dívida e/ou regimes de câmbio atrelado que não são realistas, as perturbações podem ser severas.

Após um período incomum e prolongado de política monetária ultra-relaxada, o Fed entrou numa cautelosa trajetória de normalização gradual da postura monetária.

A primeira indicação dessa transição - a sinalização pelo então presidente do Fed, Ben Bernanke, de possível retirada de estímulos, o chamado "tapering", em 22 de maio de 2013 - causou tumulto nos mercados financeiros. Houve fuga de capitais do mundo emergente, contribuindo para depreciação cambial desordenada e ampliação dos spreads de risco de crédito.

A calmaria de certa forma retornou aos mercados financeiros à medida que a comunicação do Fed evoluiu e a instituição deu seguimento a uma mudança de política excepcionalmente cautelosa.

É o que eu chamo de o "aperto monetário mais relaxado" da história, envolvendo a redução gradual de compra de ativos e um primeiro aumento na taxa básica de juros em dezembro, o primeiro em quase 10 anos. A normalização plena está longe de ser concluída.

Nas últimas duas semanas, representantes do Fed sinalizaram maior probabilidade de elevação dos juros até o terceiro trimestre, o que significa que a ameaça para as economias emergentes -- representada por condições monetárias mais apertadas nos EUA -- é real e iminente. Porém, seu impacto perturbador é atenuado por três razões principais:

Primeiramente, o Fed mostrou com credibilidade, por palavras e ações, que, mais do que nunca, as condições internacionais são parte de seu processo decisório durante períodos sem crise.

Embora a principal razão para isso seja a própria economia americana - ou seja, a ameaça de consequências desfavoráveis sobre uma economia doméstica que ainda não atingiu velocidade para decolar --, o resultado para o resto do mundo é uma política monetária pelo Fed que leva em consideração suas condições econômicas.

Em segundo lugar, governos de países emergentes já têm experiência com tumultos causados pela situação externa e navegam melhor esses eventos. Simultaneamente, um importante segmento dos detentores mais fracos e menos informados de ativos emergentes parece ter se retirado desses mercados.

Assim, o contágio induzido pelo Fed se torna menos traumático e mais diferenciado.

Em terceiro lugar, é baixa a probabilidade de um aperto pelo Fed ser acompanhado por movimentos similares por outros bancos centrais com influência sistêmica, como o Banco do Japão, o Banco Central Europeu e o Banco Popular da China. O mais provável é que todos os três afrouxem suas políticas monetárias por meio de injeções de liquidez nos próximos meses.

Portanto, mesmo que a probabilidade de mais aperto pelo Fed seja alta, o mundo emergente sabe que o banco central americano não voa com piloto automático e está disposto a prestar atenção incomum aos desdobramentos internacionais. Ademais, parte do ajuste nas condições financeiras já foi realizado.

A preocupação em relação ao impacto das decisões do Fed, no entanto, foi deixada em segundo plano por causa de outra preocupação. Muitos no mundo emergente estão perplexos com a súbita intensificação na retórica política nos EUA contra comércio internacional, imigração e investimento estrangeiro direto.

Isso se reflete não só no barulho das eleições primárias para escolha dos candidatos de cada partido que precedem a eleição presidencial em novembro - onde se observa a defesa parcial ou plena de posições contra a globalização --, como também na piora da perspectiva de finalização dos acordos comerciais negociados pelo governo do presidente Barack Obama.

A ameaça resultante para os países emergentes vai muito além do recuo do comércio internacional que causaria prejuízos de duas formas: encolhendo os mercados internacionais para os bens e serviços que exportam e reduzindo os preços de suas exportações. Há também o perigo de a queda do comércio remover uma âncora importante de gestão da economia interna.

Países emergentes com laços e acordos comerciais diversificados com os EUA geralmente se saem melhor. Isso vale não só para países relativamente grandes como o México, mas especialmente para os pequenos, o que é compreensível.

Essas âncoras externas tendem a funcionar como zonas de proteção para a gestão de política econômica. A intensificação do discurso contra a globalização nos EUA significa prospectos mais limitados para laços existentes e futuros e é particularmente preocupante para nações que ainda esperam concluir acordos comerciais preferenciais recentes.

Os países emergentes estão certos em se preocupar menos com o Fed, mas o panorama não está claro quando se trata de outras influências externas adversas.

Eles precisam continuar navegando um ambiente global extremamente fluido que, por algum tempo, não contou com a força estabilizadora de fundamentos sólidos nas principais economias avançadas. Agora, também precisam lidar com a perspectiva preocupante de um ambiente para o comércio internacional mais complexo e potencialmente menos amigável.

(Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do conselho editorial da Bloomberg LP e seus proprietários.)