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Londres não se tornará Cingapura do Tâmisa após Brexit: Gadfly

Lionel Laurent

16/06/2016 12h01

(Bloomberg) -- Tem gente no distrito financeiro de Londres que deseja a saída do Reino Unido da União Europeia, apesar dos alertas de muitas instituições do setor de que a Brexit abalaria os mercados, eliminaria empregos e obrigaria profissionais a fazerem as malas para Frankfurt.

O argumento deles é que a Europa é uma ameaça à City e que Londres pode se tornar um oásis mais amigável ao setor financeiro, uma Cingapura à beira do Tâmisa, caso consiga se desvencilhar das regulamentações e burocracias impostas por Bruxelas.

Mas não se trata de um argumento e sim de uma fantasia. Há diversos exemplos de uma postura bem mais rígida das autoridades britânicas do que de suas contrapartes em Bruxelas ou mesmo no resto do mundo.

O que mudaria após a Brexit?

No caso da indústria de gestão de ativos, nos últimos 15 anos, Londres - não Bruxelas - se colocou na liderança da imposição de regras para limitar as formas de repasse dos custos de negociação e pesquisa para clientes de instituições financeiras.

Em 2014, a Autoridade de Conduta Financeira agiu mais rápido do que suas contrapartes europeias e impediu as instituições de usarem comissões obtidas em negociações como forma de pagamento por reuniões com gestores. O órgão também proibiu que essas comissões fossem usadas para pagar por pesquisas pouco relevantes.

Vale lembrar que o acesso a gestores e especialistas é considerado um dos serviços mais úteis oferecidos pelas corretoras - e que as comissões geradas em transações movimentam anualmente 3 bilhões de libras esterlinas (US$ 4,2 bilhões).

Desde então, as autoridades britânicas adotaram o que até outras potencias europeias consideram a linha mais dura sobre como - e se é que - comissões podem custear pesquisas. Até a França, que ninguém acusa de ser um bastião do capitalismo financeiro, sugeriu manter alguns dos arranjos existentes.

Só saberemos a opinião que vai prevalecer perto da entrada em vigor da Diretiva sobre Mercados de Instrumentos Financeiros (conhecida pela sigla Mifid II), em 2018. Até lá, as regras britânicas parecerão mais rigorosas do que as da Europa e dos EUA.

E não é só o caso da gestão de ativos. Há situações similares para atividades bancárias. Sob o regime para gestores sênior - produto do parlamento britânico, não de Bruxelas --, executivos podem ser presos se não identificarem séria má conduta debaixo de seus olhos. Os profissionais de bancos dizem que nada se compara no mundo e que é difícil encontrar quem aceite postos com esse nível de responsabilidade.

Não há garantias de que a saída da UE amenizaria a pressão regulatória. A Suíça, por exemplo, não é integrante da UE e seus bancos são sujeitos às exigências de capital mais rigorosas do mundo.

Se os defensores da Brexit quiserem encontrar o culpado pelas regras duras em termos de gastos com pesquisas, responsabilidade de executivos financeiros e outras iniciativas lideradas pelo Reino Unido - como a separação das operações de depósitos por consumidores --, por que não apontar o dedo para a revolta dos contribuintes contra a crise financeira? Foi essa revolta que delineou a opinião de representantes oficiais como Martin Wheatley, que comandou a Autoridade de Conduta Financeira entre 2011 e 2015. Não foi Bruxelas.

Talvez o Reino Unido tenha buscado um caminho mais regrado por um bom motivo - e um eleitorado que vota a favor da Brexit dificilmente vai aceitar desviar desse caminho.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do comitê editorial da Bloomberg LP e seus proprietários.