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Análise: Como será o mundo no dia seguinte à Brexit

Mohamed El-Erian

20/06/2016 11h51

(Bloomberg View) - É assim que o mundo poderá estar no dia 24 de junho se o grupo que defende a saída tiver vencido o referendo do dia anterior sobre se o Reino Unido deve continuar fazendo parte da União Europeia:

Os mercados internacionais de câmbio enfrentam uma turbulência, porque a libra sofreu uma queda de 7% a 10%, e o euro, de cerca de 3% a 5%. As ações também estão sob uma pressão considerável, porque os investidores tentam incorporar no valor o aumento das incertezas institucionais e o golpe que afetará o crescimento econômico.

O primeiro-ministro David Cameron anunciou sua demissão, deixando seu Partido Conservador em desordem e tentando descobrir como se unir em apoio a um novo líder depois de um debate que provocou divisões nos meses que antecederam o referendo. A Escócia tenta ressuscitar sua aposta pela independência. Os irlandeses imaginam o que vai acontecer com o livre comércio de bens e pessoas entre a república e o norte.

O restante da Europa está perplexo e preocupado com um efeito dominó. Enquanto isso, quem defendeu que o Reino Unido saísse da União Europeia está tentando garantir que a vitória não se transforme em um fracasso, especialmente porque alguns membros do Parlamento estão analisando procedimentos para contornar a saída decidida nas urnas.

A natureza humana está sendo o que é, um frenesi midiático alimenta um jogo de acusações sobre quem foi responsável pela saída do Reino Unido da UE.

O primeiro alvo é o eleitorado britânico. Em vez de ir às urnas com uma análise calma e racional das questões, um número excessivamente grande de eleitores acabou sendo motivado por um único tópico, que é extremamente emocional: a imigração.

O eleitorado permanece bastante indiferente a essa acusação. Afinal, foi o Partido Conservador, e Cameron em particular, que decidiu antes da última eleição geral que fazer um referendo era uma boa ideia. Sem dúvida, os líderes políticos do país sabiam o que estavam fazendo e tinham levado em conta o bem-estar do país.

A resposta de Cameron é que a promessa de fazer um referendo sobre a Brexit era uma necessidade. O governo estava sendo pressionado pelo Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês), o movimento contrário à UE e ao establishment que estava corroendo a base dos conservadores. Para os tories, as alternativas eram perder a eleição geral ou prometer um referendo durante o próximo Parlamento.

O UKIP, no entanto, está tomado por júbilo diante do resultado. O líder do partido, Nigel Farage, e seus associados têm certeza de que os distúrbios que enfrentarão no curto prazo vão ser um pequeno preço a pagar pelas oportunidades disponíveis para a Grã-Bretanha agora que ela se livrou das restrições da UE. Na perspectiva deles, a participação do Reino Unido na União foi um erro desde o primeiro dia porque o projeto europeu em si continha falhas.

Os arquitetos de uma Europa unida dizem que sua visão de "uma união ainda mais próxima" - em termos econômicos, financeiros, sociais e políticos - nunca esteve em dúvida. E, como o Reino Unido via a UE apenas como uma enorme zona de livre comércio, essa perspectiva teria evoluído durante várias décadas de participação benéfica.

Mas esse otimismo foi rejeitado pelos partidos contrários ao establishment em países que normalmente são vistos como âncoras da Europa unida. Esses grupos de extrema direita, como a Frente Nacional na França, a AfD na Alemanha e o Partido Popular Dinamarquês, apontam para um sistema econômico que não conseguiu cumprir sua missão. De que outro modo explicar a lentidão do crescimento, o nível alarmante de desemprego juvenil em certos países, o recorrente drama fiscal na Grécia e a incapacidade para lidar com a crise de refugiados?

Como em um livro de Agatha Christie, parece haver vários suspeitos e, neste caso, vários culpados. Mas um único fator carrega a maior responsabilidade para o debacle: a incapacidade dos países avançados, em diversas ocasiões, de fornecer um crescimento elevado e inclusivo. E quanto mais se permitir que essa deficiência persista, maior será o estrago.

Economias avançadas e sofisticadas não se saem bem em períodos de crescimento baixo e frustrante, especialmente quando os escassos benefícios vão para os segmentos da população que já são os mais bem de vida, como aconteceu recentemente. Nessas condições, a lista de acontecimentos improváveis e impensáveis não se restringe apenas ao surgimento de partidos contrários ao establishment, à fragmentação dos partidos existentes, às taxas de juros nominais negativas, ao isolacionismo econômico, a bancos centrais cada vez mais ineficientes, quando não contraproducentes, e ao risco de acabar com uma geração perdida de jovens desempregados ou inadequados para o mercado de trabalho.

Mas a solução para o crescimento baixo e não inclusivo no mundo avançado não é um mistério. Muitos economistas já concordam sobre o que é necessário e por quê. Infelizmente, e persistentemente, o que tem faltado é a disposição e a capacidade política de implementar essas medidas.

Talvez o trauma da Brexit consiga provocar um "momento Sputnik" que dará um susto nos líderes políticos, para que eles se unam na defesa de uma visão comum de crescimento elevado, compartilhado e inclusivo, e que forçará um acordo sobre as medidas que ajudariam a evitar recessões e instabilidade financeira.

Perceber que apenas um caro e doloroso choque econômico e financeiro poderia desencadear a resposta de política econômica adequada das legislaturas de ambos os lados do Oceano Atlântico é mais uma prova da disfunção política que, por tempo demais, colocou uma parte muito grande do fardo da política econômica sobre os ombros de bancos centrais sobrecarregados e cada vez mais exaustos.

E não deveríamos nos tranquilizar mesmo se o Reino Unido acabar optando por continuar na UE: sim, isso acabará com a ameaça imediata de distúrbios econômicos e financeiros, mas, infelizmente, não fará nada para resolver os defeitos subjacentes de crescimento do sistema, que com certeza provocarão mais turbulências.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial, da Bloomberg LP ou de seus proprietários.