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Análise: Países ainda estão atraídos por protecionismo

Mohamed El-Erian

01/09/2016 14h35

(Bloomberg) -- Uma das surpresas da crise financeira global de 2008 é que a "grande recessão" que veio depois não desencadeou uma reação muito protecionista. Acontecimentos desta semana sugerem, diante da ausência de uma liderança política mais esclarecida e coordenada, que isso pode estar mudando.

Quando a produção colapsou depois da "interrupção abrupta" do sistema financeiro no quarto trimestre de 2008, e diante da iminência de uma recessão mundial nociva, existia o temor de que os países cedessem à tentação de adotar medidas comerciais protecionistas como modo de fomentar seu próprio crescimento às custas dos outros.

Isto foi evitado por duas grandes razões: a convicção de que essas políticas de empobrecimento dos vizinhos provavelmente seriam ineficazes, senão contraproducentes, a longo prazo e a disposição e a capacidade dos líderes do G-20 de adotar uma agenda política abrangente e favorável ao crescimento na cúpula de abril de 2009.

Mas o que funcionou naquela época não se sustentou. Em vez de usar a reunião de Londres como uma base para manter uma política abrangente que favorecesse o crescimento, uma após a outra, as economias avançadas caíram em uma dependência excessiva, prolongada e exclusiva de seus bancos centrais. E como as ferramentas da política monetária, inclusive as inovadoras e pouco convencionais, não são adequadas para remediar de modo sustentável os males dos países avançados, reiteradamente os resultados macroeconômicos não atenderam às expectativas e não conseguiram fomentar uma prosperidade inclusiva.

Esse longo período de crescimento baixo e aumento da desigualdade agora ameaça o consenso que defende a globalização e a integração regional que fundamentaram o pensamento econômico durante décadas. Como resultado, o progresso da liberalização e da integração transfronteiriça encontrou um obstáculo.

Nesta semana, a França e a Alemanha colocaram em dúvida publicamente o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento que está sendo negociado pela União Europeia e pelos EUA. As autoridades francesas chegaram ao ponto de pedir que as autoridades em Bruxelas interrompessem as discussões.

Além disso, a Parceria Transpacífico, o acordo comercial assinado em fevereiro pelos EUA e por 11 países asiáticos, parece ter cada vez menos chances de ser ratificada, dado o apetite limitado por acordos desse tipo no Congresso dos EUA.

Não apenas as negociações sobre novos acordos comerciais estão estagnando. A decisão do Reino Unido a favor do Brexit, em referendo em junho, mostrou que até os acordos existentes há muito tempo já não podem ser considerados indiscutíveis. Ao mesmo tempo, a decisão tomada pela Comissão Europeia nesta semana, cobrar US$ 14 bilhões em impostos à Apple, irritou o governo irlandês, que havia chegado ao acordo inicial com a empresa, e as autoridades dos EUA.

Todos esses acontecimentos foram extremamente influenciados por uma força comum mais abrangente: a insatisfação popular com a persistência do crescimento baixo e do aumento da desigualdade, fatores que alimentaram a popularidade dos movimentos contrários ao establishment que defendem políticas nacionalistas. Na verdade, o próximo passo poderia envolver uma campanha mais violenta para ir além de simplesmente se opor às iniciativas futuras de regionalização e de globalização e passar a enfraquecer as existentes. O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio e a União Europeia já estão na mira de políticos contrários ao establishment.

Em resposta a esses ventos políticos, um número crescente de governos vem se afastando de sua tradicional orientação ao livre comércio e adotando uma posição de maior isolamento. A versão leve dessa tendência é enfatizar que o comércio precisa ser justo, não apenas livre. A versão mais pesada é fomentar a substituição das importações e também considerar outras medidas que desestimulam a entrada de bens e capitais estrangeiros.

Os políticos tradicionais -- na esperança de minimizar o risco para sua reeleição -- justificam o uso de um tom que admite e acomoda a intensificação dessas forças protecionistas argumentando que o impacto sobre o comércio mundial e o investimento transfronteiriço seria muito mais duradouro e prejudicial se os movimentos contrários ao establishment chegassem ao poder.

De forma mais imediata, esses acontecimentos representam mais uma força contrária ao comércio e ao crescimento mundial. Para minimizar as consequências adversas, uma possibilidade é que os países se unam -- a começar pela cúpula do G-20 na próxima semana -- e assumam compromissos verossímeis para estabelecer medidas mais detalhadas e coerentes com o discurso e os compromissos das reuniões anteriores. Isto, no entanto, é improvável, porque muitos líderes de países avançados estão limitados pela atmosfera política carregada em casa. Em vez disso, o calendário eleitoral da Europa e dos EUA significa que devemos esperar um maior afastamento, especialmente a curto prazo, em relação à integração transfronteiriça entre as regiões ou dentro delas.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.