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Michel Temer promete gastar capital político em reformas

Anna Edgerton

20/09/2016 11h47

(Bloomberg) -- O presidente do Brasil, Michel Temer, prometeu levar adiante medidas impopulares para reanimar a economia, alegando que não ter ambições eleitorais lhe permite agir com liberdade.

Em entrevista na sede da Bloomberg em Nova York, Temer disse que gastaria todo o seu capital político para fortalecer as contas públicas, demonstrando confiança em que o Congresso aprovará suas propostas até meados do ano que vem para impor limites aos gastos públicos e realizar a reforma previdenciária. Embora tenha sinalizado que seria mais duro na concessão de novos aumentos aos servidores públicos, ele disse que o Tesouro poderia encontrar espaço para ajudar os estados endividados.

"Eu não tenho nenhuma ambição eleitoral, digamos assim, para 2018. Portanto, estarei muito à vontade para enfrentar temas que aparentemente são impopulares, mas que logo após a sua aprovação, verificar-se-á a sua popularidade", disse Temer, na segunda-feira, na véspera do discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas. "Agora que eu assumi em definitivo, estou na verdade endurecendo um pouco as posições político-econômicas".

Advogado constitucional de 75 anos, Temer herdou neste ano um país profundamente dividido, sacudido pela recessão e por uma investigação de corrupção que já dura dois anos e que aumentou a desconfiança dos brasileiros em relação aos políticos. A inflação anual é de 9 por cento e o desemprego está no nível mais alto desde 2004. Após o impeachment de sua antecessora, Dilma Rousseff, em 31 de agosto, Temer tem enfrentado protestos pequenos mas persistentes, nos quais foi contestada sua legitimidade.

"Nós estamos numa situação neste ano ainda muito problemática economicamente, se nós melhorarmos um pouco para o ano que vem, já teremos dado um grande passo".

Aumentar a confiança

Para aumentar a confiança do investidor, boa parte da agenda de Temer se concentra em reduzir a interferência do governo na economia. O Congresso aprovará as contas do governo para limitar as taxas de gastos públicos e reduzirá os pagamentos da aposentadoria no fim de 2016 e em meados de 2017, respectivamente, disse ele.

Alguns investidores ficaram impacientes com o progresso do governo em relação ao orçamento em meio às disputas políticas internas, porque parlamentares da própria base aliada de Temer relutam diante de algumas de suas propostas antes das eleições municipais do mês que vem. Após um rali que transformou o real e o mercado de ações do Brasil naqueles de melhor desempenho do mundo no ano, ambos esfriaram nos últimos 30 dias.

Temer foi forçado a mudar a meta para o déficit primário do orçamento de 2016 para R$ 170,5 bilhões (US$ 52 bilhões), contra um déficit de R$ 96 bilhões que Dilma vinha perseguindo. Ele enfrenta pressão dos parlamentares, inclusive de integrantes do PMDB, para ampliar os salários dos servidores públicos que são parte importante de seu eleitorado.

"Eu acredito que em 2018 ainda tenhamos um pequeno déficit", disse ele, em referência ao resultado primário. "Levará dois ou três anos até eliminarmos de uma vez o déficit".

Em junho, Temer concedeu aumentos salariais a funcionários do governo que haviam sido garantidos pelo governo anterior, mas posteriormente se opôs aos reajustes aos funcionários do Judiciário.

Dificuldades de Temer

Uma das dificuldades de Temer é que ele não possui apoio popular para medidas polêmicas, nem é particularmente querido. Apenas 14 por cento dos consultados em uma pesquisa de opinião do Datafolha realizada em julho consideraram o governo Temer bom ou ótimo, contra 13 por cento do governo Dilma, em abril.

Parte da desconfiança em relação ao governo Temer decorre do envolvimento de seu partido no escândalo de corrupção que já dura dois anos e que levou líderes empresariais à prisão e envolveu políticos de destaque. Três ministros de Temer renunciaram em meio a alegações de corrupção reveladas na imprensa e o PMDB foi citado em delações premiadas por receber propinas de contratos do governo.

Temer disse na segunda-feira que não haveria obstrução às investigações da Operação Lava Jato, que estão em andamento, mesmo que seja ampliado o foco sobre seu partido. "As instituições no Brasil estão funcionando com muita tranquilidade. A Lava Jato, por exemplo, vai continuar até a apuração final, e todos os delitos que eventualmente tenham sido praticados", disse ele.

Na entrevista, o presidente estava acompanhado por membros do gabinete, incluindo o ministro das Relações Exteriores, José Serra, ex-candidato presidencial que estaria analisando a possibilidade de concorrer novamente a presidência. Serra tomou a palavra diversas vezes para dar suas opiniões a respeito do estado da economia.

Além do orçamento federal, o presidente enfrenta outros desafios para reanimar o crescimento e a confiança no maior país da América Latina. Diversos estados enfrentam uma crise financeira potencialmente explosiva, mesmo depois de terem chegado a um acordo com o governo, em junho, para adiar o pagamento de dívidas ao Tesouro em troca da adoção de restrições de gastos.

Na semana passada, 14 estados afirmaram que poderiam ser forçados a declarar estado de emergência e ameaçaram usar seus representantes no Congresso para adiar votações importantes se não recebessem ajuda adicional de Temer.

Embora o acordo de junho do governo federal com os estados continue em vigor, o Ministério da Fazenda estuda se há espaço no orçamento para ajudar, disse o presidente, na segunda-feira.

Convencer investidores

Durante a visita desta semana a Nova York, Temer se reunirá com investidores e fará propaganda de seu plano de leiloar aeroportos, ferrovias, empresas de energia e campos de petróleo neste ano e no próximo. Esta será a segunda viagem importante de Temer ao exterior após assumir a presidência, ele visitou a China horas depois de tomar posse para participar da cúpula de líderes do Grupo dos 20. Em suas viagens, ele se reuniu com executivos para promover o Brasil como uma aposta segura para o capital estrangeiro.

O sucesso de Temer dependerá, em grande parte, de convencer os céticos de que o pior da crise do Brasil já passou. Ele terá que enfrentar uma longa lista de obstáculos aos negócios que fazem com que o Brasil apareça na parte inferior de um ranking do Banco Mundial sobre o assunto.

Surgem os primeiros sinais de que a economia pode ter chegado ao fundo do poço após seis trimestres consecutivos de contração. Os analistas consultados pelo Banco Central estimam um crescimento de 1,4 por cento no ano que vem, que seria a maior expansão desde 2013.

"Meu único objetivo é recolocar o Brasil nos trilhos", disse Temer.