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Análise: Mercado precisa ficar menos dependente do Fed

Nir Kaissar

22/09/2016 14h56

(Bloomberg) -- Ao concluir sua última reunião de política monetária, o banco central dos EUA (Federal Reserve) deu mais uma vez uma mãozinha aos investidores ao manter a taxa básica de juros inalterada --pelo menos por enquanto.

Assim, investidores obcecados pelo Fed vão esperar ansiosamente por novidades. É uma situação infeliz porque a única coisa previsível sobre a instituição ultimamente é sua imprevisibilidade.

O mercado tem mostrado notável resistência em aceitar os esforços dos Fed para subir os juros, mas é claro que a autoridade monetária não pode manter uma postura de acomodação para sempre. Eventualmente, o dinheiro barato causará a disparada da inflação (ou coisa pior se isso não acontecer). Por outro lado, juros maiores tendem a prejudicar os preços dos ativos, o que não beneficia a economia real.

Alguns pedem que o Fed simplesmente arranque o curativo sem dó. Recentemente, o megainvestidor Bill Gross declarou a jornalistas da Bloomberg News que defende uma série agressiva de acréscimos nos juros: "Por favor, vamos subir os juros em 25 pontos-base em setembro e, por favor, em seis a nove meses, vamos fazer de novo."

Nesta semana, o conselho editorial da Bloomberg View argumentou que os juros baixos "impulsionaram artificialmente os preços dos ativos financeiros e distorceram padrões normais de tomada de riscos nos mercados financeiros".

E como a sorte do mercado ficou tão dependente do Fed? A resposta é curta: prêmio de risco de mercado.

O prêmio de risco de mercado é um conceito simples. Posso deixar meu dinheiro guardado no banco ou investir no mercado acionário. Meu dinheiro está seguro no banco, mas no mercado acionário tudo pode acontecer.

Dado que as ações são mais arriscadas, só aplico na bolsa se tiver a expectativa de que as ações pagarão mais do que oferece o banco (o chamado prêmio de risco).

É fácil calcular o prêmio de risco de mercado: é o rendimento dos lucros das ações - uma aproximação para a expectativa de retorno das ações - menos o rendimento do dinheiro guardado no banco.

Nesta simulação, usamos como rendimento dos lucros o inverso da razão entre preço e lucros ciclicamente ajustada (conhecida pela sigla CAPE) e a taxa básica de juros do Fed como referência para o rendimento do dinheiro guardado.

Segundo a CAPE calculada pelo ganhador do Prêmio Nobel Robert Shiller, o rendimento dos lucros nos EUA hoje se encontra em 3,8% e a taxa básica de juros em 0,4%, de forma que o prêmio de risco de mercado está em 3,4%.

Nada mal para um ambiente faminto por retorno, certo?

Não é bem assim. Olhando mais de perto, o prêmio de risco de mercado preocupa. É que o prêmio de risco de fato - a diferença das taxas históricas de retorno do índice S&P 500 e dos títulos do Tesouro americano com prazo de um mês - tem ficado em 6,5% desde 1926 (o período mais longo de dados disponíveis). Comparativamente, o prêmio de risco de mercado atual de 3,4% não parece tão bom.

Quando o Fed eventualmente subir os juros, os investidores precisarão aceitar um prêmio de risco de mercado menor ou os preços das ações vão cair. Nenhuma opção agrada, mas é o que vai acontecer.

E isso não vale somente para ações. Os investidores enfrentam o mesmo dilema com outras classes de ativos. Por exemplo, o índice de fundos de investimento imobiliário FTSE NAREIT Equity REITs atualmente rende 3,7%, o que se traduz em prêmio de risco de 3,3%.

No entanto, historicamente, o índice de REITs entregou anualmente aos investidores prêmio de risco sobre os títulos do Tesouro com prazo de um mês de 7,3% entre janeiro de 1972 e agosto de 2016.

Assim como na bolsa, o mercado atualmente embute prêmio de risco nos instrumentos imobiliários do índice de REITs que é metade do prêmio de risco que os investidores de fato receberam ao investir historicamente nos REITs. Também neste caso, o atual prêmio de risco vai encolher mais quando o Fed subir os juros ou os preços dos REITs vão cair. É um ou outro.

Há anos, os investidores contam com dinheiro fácil para justificar a compra de ações, imóveis e outros ativos por preços cada vez maiores. Essa situação não se desfaz facilmente. Mas é hora de os investidores e o Fed se olharem no espelho honestamente. O próximo capítulo desta experiência monetária histórica não será bonito para a maioria das classes de ativos.