IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Terror na fábrica: o preço de produzir cimento na Síria

Niclas Rolander

28/09/2016 11h36

(Bloomberg) -- Durante três caóticos anos a partir de 2011, enquanto a Síria implodia em uma guerra civil, a empresa francesa Lafarge continuou produzindo cimento em sua fábrica que fica no deserto da região norte do país, perto da fronteira com a Turquia.

Para manter a produção em atividade e proteger as instalações de US$ 680 milhões, a empresa teve que recorrer a medidas extremas, conta o ex-gerente de segurança do lugar, Jacob Waerness, como negociar a liberdade de funcionários sequestrados e interromper acordos de abastecimento com combatentes locais, cuja lealdade muda como as areias do deserto.

A Lafarge, que depois se fundiu com a rival suíça Holcim e se tornou a maior fabricante de cimento do mundo, tinha investido na fábrica síria apostando que a expansão no país do Oriente Médio, relativamente estável na época, renderia um bom lucro.

Em vez disso, como inúmeras outras multinacionais com amplas operações em áreas remotas, a empresa francesa aprendeu da pior maneira que as marés políticas podem mudar de forma repentina e violenta. No entanto, ao contrário do que acontece com a maioria das empresas pegas pela turbulência, cujas ações não se tornam públicas, as dificuldades enfrentadas pela Lafarge no país devastado pela guerra agora estão sob os holofotes. Em um livro de 245 páginas publicado no mês passado em norueguês, sua língua materna, Waerness oferece a rara perspectiva de quem está por dentro das decisões tomadas por uma empresa durante épocas de conflito.

"Não fizemos isso para lucrar com uma situação de guerra", disse ele, em entrevista. "Queríamos manter a fábrica em funcionamento para evitar que ela fosse destruída."

Fábrica tomada

A Lafarge pode ter julgado mal a situação, de acordo com o ex-gerente, e ter ficado tempo demais na Síria até que o grupo terrorista Estado Islâmico estivesse literalmente no portão da fábrica. As instalações foram tomadas pelo grupo em setembro de 2014. Waerness tinha saído da empresa no ano anterior, quando seu contrato local expirou. Ele deixou de trabalhar para a Lafarge em Zurique em março deste ano.

Para manter a produção em andamento na Síria mesmo enquanto cidades próximas se rendiam aos extremistas islâmicos, a Lafarge chegou ao ponto de blindar caminhões para aumentar a segurança do transporte, fazer entrar ilegalmente pela fronteira da Turquia um soldador filipino para auxiliar na manutenção e indiretamente ajudar grupos como o Estado Islâmico, de acordo com o ex-gerente, que disse assumir pelo menos parte da culpa pelo fato de a empresa ter permanecido tanto tempo no país.

Em resposta a perguntas sobre o livro, a Lafarge afirmou que qualquer benefício ao Estado Islâmico "contradiz completamente" os valores e o código de conduta da empresa, cuja prioridade máxima quando o conflito chegou à região onde ficava a fábrica foi a segurança e a proteção dos funcionários. A empresa está realizando uma investigação interna sobre o que aconteceu na Síria durante o período em que a fábrica ficou cercada por facções armadas.

"Esta análise ainda está em andamento e, até o momento, não chegamos à conclusão de que tenha havido qualquer irregularidade", informou a empresa. "Incluiremos as afirmações feitas no livro do Sr. Waerness em nossa análise e também vamos convidá-lo a contribuir com ela."