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Na África, cocaína, commodities e trader de sangue azul

Isis Almeida e Suzi Ring

30/09/2016 14h14

(Bloomberg) -- O navio cargueiro MSC Letizia zarpou do Porto de Santos com itens típicos do Brasil, como açúcar e café.

A bordo do navio, naquela sexta-feira de junho passado, um contêiner, MEDU3333950, levaria outro tipo de carga até a África Oriental.

Sua carga secreta: quase 100 quilos de cocaína.

A história do MEDU3333950 poderia ter acabado aqui, com uma rápida apreensão realizada pelas autoridades locais ou uma prisão insignificante. No entanto, ela envolveu um jovem britânico de berço nobre e uma tradicional casa de commodities londrina em uma rede de comércio internacional de drogas ilegais.

O improvável protagonista dessa história é Jack Alexander Wolf Marrian, neto do Sexto Earl de Cawdor. A residência ancestral de seu clã, o Castelo Cawdor, é mais conhecido como o reduto nas Highlands do Macbeth de Shakespeare. (Na verdade, o castelo foi construído no fim do século 14, 300 anos depois do coroamento do verdadeiro Macbeth).

Hoje, Marrian, 31 anos, é acusado de contrabandear a carga de cocaína para Mombaça, cidade portuária do Quênia. Promotores alegam que a conexão entre ele e o MEDU3333950 é evidente: o contêiner era parte de um carregamento para uma importadora em que Marrian, trader de açúcar da ED&F Man, atua como diretor administrativo.

Marrian e a ED&F Man, cuja história começou no século 18, negaram veementemente qualquer irregularidade. Jascha Raadtgever, chefe de Marrian, afirmou que a companhia "está confiante que Jack será exonerado e a justiça será feita". A abertura do julgamento está marcada para segunda-feira e não poderia haver mais em jogo: se condenado, Marrian poderá enfrentar a prisão perpétua.

Por mais estranha que soe essa história, negociantes de commodities afirmam que já ouviram muitas outras parecidas. Integrantes do setor afirmam que os contêineres de carga são frequentemente alterados em rota, apesar dos esforços para monitorar o preenchimento, a vedação e o carregamento. Nos círculos das commodities, a maioria pode contar histórias de cargas ilícitas.

Contrabando

O contrabando -- particularmente de drogas -- aumentou em diversos carregamentos de commodities neste ano. Contêineres de açúcar que partiram do Brasil de pelo menos duas outras tradings internacionais de commodity chegaram ao Sri Lanka com cocaína. Em agosto, funcionários de uma fábrica da Coca-Cola na França encontraram cocaína em um contêiner de suco de laranja proveniente da Costa Rica.

O Porto de Santos, onde o MEDU3333950 começou sua jornada, observou um grande aumento no tráfico de cocaína ultimamente. No ano até agora, mais de seis toneladas de cocaína foram confiscadas no local -- seis vezes a quantidade apreendida em 2015, de acordo com dados alfandegários do Brasil. A maior parte dessa droga se dirigia à Europa.

O contrabando se tornou um problema tão grande no Brasil que a alfândega decidiu exigir o escaneamento de todos os contêineres com destino à Europa ou que passem pelo continente a partir de abril. O carregamento da ED&F Man foi escaneado, mas as drogas não foram detectadas, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto. A alfândega brasileira não quis comentar.