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Ainda odeia SUVs? Que pena. Você é minoria agora: Gadfly

David Fickling

20/03/2017 14h02

(Bloomberg) -- Não adiantou resistir.

Comediantes e ambientalistas passaram décadas combatendo a ascensão do Canyonero, do Chelsea Tractor e de outras variações do SUV. Agora, a guerra entre os carros de passageiros tradicionais e seus primos mais altos e anabolizados praticamente acabou -- e os SUVs venceram.

Na Austrália, as vendas de SUVs superaram as dos chamados veículos de passageiros no mês passado. O quadro é semelhante nos EUA, onde os SUVs ultrapassaram os veículos de passageiros e as minivans em dezembro e janeiro.

Para que você não pense que este é um fenômeno dos mercados desenvolvidos, até mesmo a China está entrando no páreo. As vendas de SUVs subiram 45 por cento no ano passado e a Associação de Carros de Passageiro da China projeta que, juntamente com as minivans, eles superarão os carros de passageiros em 2017.

Quem antes normalmente resistia acabou aderindo.

Os fanáticos pelos carros de desempenho reagiram quando a Porsche lançou o SUV Cayenne em 2002 mais ou menos da mesma forma que os fãs de música folk quando Bob Dylan começou a tocar guitarra elétrica. Agora, a empresa controlada pela Volkswagen é uma fabricante de SUVs de facto.

É tentador apresentar essa mudança do mercado em termos bélicos, como ocorreu com o breve conflito no Twitter, no início do ano, sobre se os jornalistas da grande imprensa dos EUA viveram tempo demais em uma bolha liberal para conhecer alguém que dirige uma picape. Mas os fatos são um pouco mais complicados.

Numerosos motivos foram oferecidos para explicar a ascensão imparável do SUV. Uma das teorias diz que, com seu amplo espaço para a cabeça e armazenagem configurável, a categoria engoliu a fatia de mercado dos carros tamanho família antes pertencente às peruas e minivans. Outro argumento é que, como uma fatia cada vez maior dos carros adota a posição de direção elevada, e devido à segurança percebida do SUV, as pessoas que ainda têm carros menores se sentem mais pressionadas a mudar. O terceiro motivo é a queda dos custos operacionais: os preços da gasolina nos EUA caíram em mais de um terço nos últimos três anos.

Existe algo de verdade em todos esses argumentos, mas há outro maior e mais básico relacionado às mudanças experimentadas pelos SUVs.

Por exemplo, qual desses carros tem melhor economia de combustível: a versão 2006 do Mini Cooper ou a versão 2015 do Honda CR-V?

Acredite ou não, é o Honda CR-V -- o SUV mais vendido dos EUA em nove dos últimos 10 anos --, que supera versões mais antigas do Mini Copper, da BMW, pelo menos segundo as classificações de eficiência de combustível do Departamento de Energia dos EUA.

Por isso, a ascensão do SUV não é de fato uma história sobre como os donos de carros beberrões de direita superaram os motoristas liberais do Prius. É o resultado do fato de as fabricantes de veículos -- impulsionadas pelas regras de economia de combustível da era Obama e pelo tradicional desejo de inovação automotiva -- estarem reduzindo os custos de uso de seus veículos mais rentáveis e, assim, incentivando mais famílias a comprá-los.

Existe um motivo para Detroit ter cuidado em relação a como abordará a proposta do presidente Donald Trump de reduzir o endurecimento adicional das regras à economia de combustível, apesar de o setor ter feito lobby em prol da mudança. Os EUA são um mercado importante para os SUVs, mas já não são o maior -- essa honra é da China.

O perigo para as fabricantes de veículos dos EUA é que elas utilizem o relaxamento dos padrões domésticos para reduzir o ritmo de inovação quando deveriam estar pensando globalmente. Pequim, Bruxelas, Tóquio e Nova Déli têm ideias próprias em relação à regulação da poluição automotiva e as cidades da América do Norte, com densidade incomumente baixa, implicam uma probabilidade maior de estar fora de sintonia com o mundo nesse quesito.

Em um momento em que a indústria automotiva está embarcando em seu próximo grande impulso no segmento de veículos elétricos, o triunfo do SUV deve ser visto não tanto como uma reprovação dos padrões de eficiência de combustível, mas como uma história de sucesso do dinamismo do capitalismo regulado.

Graças ao surgimento dos SUVs ecológicos, os consumidores não estão gastando tanto dinheiro em gasolina e, assim, sofrem menos com poluição. As fabricantes de veículos, por sua vez, viram a criação de um novo e lucrativo mercado. As condições adversas acabaram sendo a melhor forma de incentivar mutações frutíferas.

A inovação realmente é fruto da necessidade.

Essa coluna não reflete necessariamente a opinião da Bloomberg LP e de seus proprietários.