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Pecuaristas de Mato Grosso pagam pela corrupção da JBS

Tatiana Freitas

27/06/2017 20h49

(Bloomberg) -- Nas pastagens verdes e planas do estado de Mato Grosso, os fazendeiros testemunham em primeira mão o que acontece quando a maior compradora de gado tropeça.

A JBS, potência global na produção de carne, costumava comprar quase metade do gado de Mato Grosso. Mas desde que os controladores da empresa admitiram participação em um abrangente esquema de corrupção, as compras diminuíram.

A JBS também suspendeu as aquisições de gado à vista e decidiu comprar apenas para pagamento em 30 dias, ao mesmo tempo em que minguaram os mecanismos que possibilitavam aos produtores antecipar os recebimentos.

Os pecuaristas dizem que estão receosos ao vender para a JBS após a recente crise e a imposição do pagamento em 30 dias, especialmente porque os bancos começaram a pedir aos produtores garantias adicionais na antecipação de recebíveis da JBS. A empresa também busca refinanciar parte de sua dívida com os bancos no Brasil em meio a condições de crédito mais restritas.

"Se os bancos não estão dando crédito à JBS, por que nós deveríamos dar?", disse Alexandre Caiado, 30, que pertence à segunda geração de pecuaristas da família em Juína, Mato Grosso. "Muitos produtores só estão fazendo vendas pontuais, só para pagar as contas."

A queda da demanda, que já vinha sofrendo com os efeitos da operação Carne Fraca e da crise econômica no país, derrubou os preços do gado desde meados de maio, quando surgiram notícias de que os acionistas controladores da JBS, os irmãos Joesley e Wesley Batista, disseram ao Ministério Público Federal que pagaram subornos para ajudar a financiar uma série de US$ 20 bilhões em aquisições na última década.

As ações e os títulos de dívida da empresa caíram e a JBS agora planeja desinvestir cerca de R$ 6 bilhões (US$ 1,8 bilhão) em ativos, incluindo sua participações na empresa brasileira de lácteos Vigor e na produtora de frangos britânica Moy Park, para diminuir a preocupação dos investidores.

Os contratos futuros de boi gordo em São Paulo caíram 17% neste ano.

Embora não existam dados disponíveis sobre a produção da JBS, a empresa possui um estoque de gado suficiente para três dias de abate, em média, enquanto as rivais operam com o suficiente para nove, disse Lygia Pimentel, diretora da consultoria Agrifatto, em entrevista por telefone, de São Paulo. Antes de o acordo de delação premiada dos irmãos Batista se tornar público, as rivais operavam com níveis de estoque similares, disse ela.

Capacidade reduzida

A JBS está usando cerca de 80% de sua capacidade de abate e os volumes estão melhorando, informou a empresa com sede em São Paulo em resposta enviada por email a perguntas. A empresa diz que suas operações seguem ajustadas às demandas de mercado e disponibilidade de matéria-prima, incluindo as fábricas localizadas em Mato Grosso.

JBS disse ainda que definiu a política de pagamento aos pecuaristas em 30 dias há quase dois meses e que 97% das compras eram realizadas dessa forma, de acordo com os padrões nacionais. Diz ainda que todos os compromissos financeiros com fornecedores foram quitados dentro do prazo acordado.

Sobre a queda nos preços do boi gordo, a JBS diz que o movimento reflete simplesmente as condições do mercado, o que inclui o aumento da oferta de gado e a queda da demanda doméstica, afirmou a empresa.

Soma-se à crise da indústria a proibição imposta pelos EUA na semana passada à carne bovina brasileira, que ressuscitou as preocupações com a segurança alimentar que levaram a uma interrupção similar das exportações em março.

Os negócios estão ficando tão lentos que alguns fazendeiros afirmam que estão preferindo deixar o gado no pasto em vez de vender para os frigoríficos ou colocar em confinamentos, onde os animais normalmente passam três meses se alimentando de ração para engordar antes de serem enviados para o abate.

"A esses preços praticados no mercado futuro, o confinamento fica praticamente inviável", disse Alberto Pessina, pecuarista e presidente do conselho da Associação Nacional da Pecuária Intensiva (Assocon).

Com a chegada do inverno neste mês no Hemisfério Sul, a decisão de manter os animais no pasto pode não ser duradoura. O clima frio e seco pode forçar os fazendeiros a venderem animais a preços baixos por causa da piora nas condições das pastagens.

Alguns criadores, entre eles Caiado, conseguiram transferir as vendas para processadoras regionais de carne bovina ou para rivais da JBS, como a Marfrig Global Foods e Minerva, mas nenhuma delas empresas é grande o suficiente para absorver todo o gado excedente.

"Muitos fazendeiros continuam vendendo para a JBS simplesmente porque não têm outra opção", disse Caiado.

Participação de mercado

A JBS atualmente controla 25% da capacidade de abate do Brasil, incluindo 48% no Mato Grosso. Alguns fazendeiros dizem que a indústria de processamento ficou concentrada demais na última década após uma série de aquisições.

A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) reclama há anos que o forte controle da JBS sobre o setor representa sérios riscos para os produtores locais. Em 2012, depois que a JBS realizou diversas aquisições na região, a Acrimat enviou uma queixa formal ao órgão regulador antitruste do Brasil, mas foi rejeitada.

O prolongamento da crise no setor pode prejudicar as exportações brasileiras de carne bovina, disse José Vicente Ferraz, diretor da Informa Economics Group-FNP. A expectativa era que o Brasil, o maior exportador mundial de carne, ampliaria as vendas ao exterior neste ano em 6 por cento, segundo estimativa de abril do Departamento de Agricultura dos EUA.

"Com a queda na rentabilidade dos pecuaristas, é provável que os investimentos no setor sejam adiados ou reduzidos", disse Ferraz. "Isso levará a uma queda na produtividade e o país pode perder competitividade no mercado global no longo prazo."

A JBS, que se tornou a maior produtora de frango e carne bovina do mundo, engolindo produtoras dos EUA e da Austrália, viu os custos de seus empréstimos dispararem nas últimas semanas.

O rendimento de seus títulos de dívida da emissão de US$ 1 bilhão para 2020 quase dobrou de 6,38% antes do surgimento do escândalo, em 17 de maio, para 12,64% em 12 de junho. O rendimento fechou em 9,96 na segunda-feira.

Os problemas enfrentados pela maior produtora abriram as portas para que a Minerva e a Marfrig, ambas com sede em São Paulo, recuperassem participação de mercado, disse Hyberville Neto, analista da consultoria Scot no município de Bebedouro, em São Paulo.

As rivais da JBS reduziram o tempo ocioso total nas últimas semanas, disse ele. A Minerva confirmou que reabrirá uma planta em Mato Grosso em meados de julho e a Marfrig informou que está estudando oportunidades no Brasil.

Enquanto isso, os pecuaristas podem continuar segurando o gado até que os preços se recuperem ou as pastagens secarem, disse Caiado. "Ninguém quer vender para a JBS", disse Caiado. "Eles perderam credibilidade."