Logo Pagbenk Seu dinheiro rende mais
Topo

Como fazer inimigos e perder influência no negócio de chips

Pavel Alpeyev e Ian King

02/10/2017 14h55

(Bloomberg) -- Steve Milligan estava pronto para cantar vitória. Um comunicado foi redigido e um fotógrafo estava a postos para a cerimônia do aperto de mãos planejada em Tóquio. Enquanto o impetuoso executivo do Vale do Silício se preparava para anunciar o maior negócio de sua carreira, um proeminente jornal japonês informava que seu grupo empresarial havia chegado a um acordo para a compra da unidade de semicondutores da Toshiba, a última grande empresa de chips do país.

Mas não era verdade. Antes que Milligan pudesse fazer uma pose para as câmeras, o acordo morreu. Para o CEO da Western Digital, esse foi o último erro de interpretação de uma série deles.

Quando a Toshiba colocou à venda sua unidade de chips há oito meses, a equipe de Milligan parecia ter algumas vantagens sobre rivais mais endinheiradas. Como parceira da Toshiba na unidade de memória, tinha uma alavancagem jurídica que poderia ser usada para assustar outras concorrentes. O conglomerado japonês enfrentava perdas surpreendentes em sua unidade quebrada de reator nuclear e estava sendo pressionado pelos credores a fechar um acordo rapidamente.

Seria necessário mais do que um pouco de diplomacia para conquistar a Toshiba, os bancos e os burocratas do Japão. No entanto, o negociador de 53 anos despertou a hostilidade de executivos da Toshiba que eram centrais na transação.

No fim das contas, a empresa de private equity Bain Capital levou o prêmio, em parte graças a uma intervenção de última hora da Apple, um dos maiores clientes da Toshiba, que ajudou Bain a juntar uma oferta de US$ 18 bilhões. No Japão, o dinheiro fala como em qualquer outro lugar. Mas havia outras considerações.

"Com tantas partes para agradar, este sempre foi um negócio difícil e exigia mais sutileza do que a Western Digital teve", disse Damian Thong, analista de tecnologia em Tóquio da Macquarie. "Essencialmente, este foi um jogo de pôquer com apostas altas, e a Western Digital foi traída por seu próprio otimismo exagerado."

A empresa preferiu não fazer comentários para esta reportagem e não quis disponibilizar Milligan. A Toshiba também não quis comentar. Esta notícia se baseia em entrevistas com mais de uma dúzia de pessoas envolvidas nas negociações, que pediram anonimato porque os detalhes são privados.

Aquisição da SanDisk

Milligan atravessou um caminho difícil até chegar ao topo da Western Digital. Em um momento, ele deixou a empresa, onde era diretor financeiro, para assumir o comando de uma rival problemática pertencente à japonesa Hitachi. Depois, em 2011, ele deu meia-volta e vendeu a unidade a seu antigo empregador por quase US$ 5 bilhões. O acordo transformou a Western Digital no maior ator desse setor, e deu a Milligan o cargo de CEO.

No entanto, essa manobra ocorreu em meio a grandes mudanças, que significavam que as unidades de disco rígido acabariam sendo substituídas pelos semicondutores. Os chips estavam cada vez mais competitivos em relação à tecnologia mais antiga em termos de preço e capacidade, sem a desvantagem de ter discos magnéticos giratórios.

Sob essa pressão, Milligan fez uma jogada ainda mais ambiciosa no ano passado. Ele gastou US$ 16 bilhões, quase o equivalente ao valor de mercado da Western Digital nesse momento, para comprar a SanDisk, uma fabricante de semicondutores que dependia de uma antiga joint venture com a Toshiba para seus chips. Em um sinal da importância desse acordo para o futuro da Western Digital, Milligan transferiu seu escritório para a antiga sede da SanDisk em Milpitas, na Califórnia.

A aquisição deu à Western Digital o direito aos chips produzidos na fábrica da Toshiba em Yokkaichi, um enorme complexo de fábricas onde a SanDisk vinha dividindo parte dos custos das máquinas ao longo dos anos. Mas não era um casamento entre iguais. A Toshiba havia inventado a tecnologia, e o conglomerado japonês era dono do terreno sob a fábrica de Yokkaichi, de seus edifícios e de quase toda a propriedade intelectual que seus funcionários usavam para fazer os chips.

"Do ponto de vista da Toshiba, a Western Digital era como seu irmão mais novo", disse Yukio Sakamoto, um veterano do setor japonês de chips e ex-CEO da Elpida Memory, fabricante de semicondutores com sede em Tóquio que faliu em 2012. "Imagine seu irmãozinho tentando lhe dar ordens. Dá para ver por que as coisas se tornaram tão acaloradas."

O equilíbrio de poder mudou em dezembro passado, no entanto, quando a Toshiba entrou em crise. Os principais executivos da empresa controladora anunciaram que haviam descoberto que atrasos na construção e excesso de custos em quatro reatores atômicos nos EUA levaram a bilhões de dólares em prejuízos. Para pagar sua dívida, a Toshiba teve que colocar seu negócio mais rentável, a unidade de chips, à venda em leilão.

Com a aquisição da SanDisk recém-finalizada, Milligan não tinha dinheiro para fazer outro negócio enorme, mas a chance de ficar com a joia da coroa da Toshiba era tentadora.

"Era uma chance única de se inserir entre os principais atores do setor de chips", disse Thong, analista da Macquarie.

Ânimos exaltados

Os ânimos começaram a ficar exaltados em uma reunião em abril, na sede da Western Digital, onde Milligan conversou com o chefe da unidade de chips da Toshiba, Yasuo Naruke. O CEO americano fez uma oferta baixa pela unidade, de US $ 13 bilhões, e disse que usaria seus direitos como parceira da Toshiba para impedir uma venda a qualquer outra pessoa, de acordo com pessoas que participaram da reunião.

Com um capacete de cabelo escuro partido de lado, Naruke projeta uma imagem de moderação e calma, mas o engenheiro de 62 anos ficou furioso durante toda a viagem de volta a Tóquio no avião, de acordo com as pessoas. Ele considerou que Milligan estava tentando se aproveitar dos problemas da Toshiba para comprar a unidade de chips por pouco dinheiro, disseram.

Pessoas familiarizadas com a mentalidade dos executivos da Western Digital disseram que a Toshiba não recebeu nenhum ultimato na reunião e que o valor de US$ 13 bilhões foi apenas um teste preliminar de preços. Milligan apenas expressou a preocupação de que a unidade pudesse ser vendida a grupos de investidores que incluíam concorrentes da Western Digital, sua responsabilidade fiduciária, disseram.

Nos meses seguintes, Milligan intensificou seus esforços. Em maio, os advogados da Western Digital desafiaram a Toshiba em uma mediação sobre o direito de vender a unidade de forma unilateral e, em junho, solicitaram a um tribunal da Califórnia uma injunção para bloquear qualquer acordo.

Oito meses de negociações selvagens foram encerrados na semana passada, quando a Toshiba finalmente concordou em vender a um grupo de investidores que inclui Bain, Apple e Dell. O acordo foi projetado para que a Toshiba e a Hoya detenham a maioria das ações com direito a voto, uma solução que mantém o controle da tecnologia sensível em mãos japonesas. A transação ainda está sujeita às aprovações regulamentares.

Enquanto isso, Milligan, que há apenas algumas semanas parecia estar prestes a sair vencedor, pode ficar em uma posição pior do que quando começou. O grupo de investidores vencedor inclui as concorrentes Seagate Technology e SK Hynix, e o relacionamento com a Toshiba ficou gravemente prejudicado. A empresa japonesa está construindo fábricas que vão produzir a próxima geração de memória flash e afirma que poderia deixar a Western Digital de fora. Isso impediria a empresa de fornecer aos clientes a tecnologia mais recente.

A Western Digital ainda ameaça usar a mediação para tentar impedir que o negócio feche, e os advogados da empresa dizem que os litígios podem durar até 2019.

"Pretendemos continuar nossos esforços jurídicos bem-sucedidos no processo vinculativo de mediação", disse John Hueston, advogado da Western Digital e sócio da Hueston Hennigan, em um comunicado semana passada.

Toshiba e Bain estão confiantes de que vão prevalecer na mediação, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. O acordo estabelece que a venda será consumada mesmo se o litígio não for resolvido.

--Com a colaboração de Yuki Furukawa e Takako Taniguchi