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Boa sorte, Soros: é difícil tirar dinheiro do trono na Argentina

Daniel Cancel

05/10/2017 12h55

(Bloomberg) -- Os argentinos adoram dinheiro vivo. Passe quatro dias em Buenos Aires munido de cartões de débito e de crédito, mas sem um único peso, e isso ficará claro.

Quando estive lá, na semana passada, um dos transtornos era não poder incluir a gorjeta ao pagar a conta de um restaurante com plástico; eu precisava pedir dinheiro a amigos e colegas para deixar uma gorjeta e também para comprar uma garrafa de água ou almoço para levar. Muito poucos dos onipresentes táxis preto e amarelo aceitam alguma outra coisa que não seja a versão física do dinheiro. Os carros de aluguel aceitam MasterCard, Visa e similares, mas com ágios que chegam a triplicar a tarifa usual. Os motoristas da Uber supostamente deixam você pagar com cartão se emitido por um banco estrangeiro, mas meu American Express não passou.

Para ser justo, estes são inconvenientes de menor importância. E a situação não é igual à de quando eu morei em Buenos Aires, entre 2012 e 2016, na época dos controles de capital, o que significava três horas de passeios entre bancos e casas de câmbio do mercado negro para pagar o aluguel com uma pilha de pesos. O presidente Mauricio Macri simplificou as coisas.

Ainda assim, este é um país onde os depósitos bancários equivalem a apenas 15 por cento do produto interno bruto e mais de 40 por cento das transações econômicas são o que se chama de "informais". A desconfiança em relação às instituições financeiras (ou talvez o desejo de evitar os impostos) é tão profunda que até mesmo os ricos que moram em condomínios fechados pagam o condomínio com grossas pilhas de dinheiro vivo.

Tudo é muito diferente de lugares como a Dinamarca, onde os bancos convertem até mesmo as mesadas das crianças em contas digitais, ou a Índia, onde o primeiro-ministro Narendra Modi tentou erradicar as transações em dinheiro vivo tirando 86 por cento das cédulas de circulação.

Um aplicativo de banco móvel lançado na Argentina na terça-feira é a mais recente tentativa do setor privado de convencer as pessoas a abandonarem o hábito de guardar dinheiro embaixo do colchão. Chamado de Ualá, ele é respaldado por um grupo que inclui o bilionário George Soros e a Point72 Ventures, de Steve Cohen. Cerca de 40 por cento dos argentinos têm smartphones, então talvez o grupo saiba de algo.

Muitos executivos bancários têm suas dúvidas, no entanto. Eles me disseram que a economia formal precisa se expandir antes de os bancos, convencionais ou não, decolarem. E as pessoas precisam recuperar a fé na economia após anos de inflação de dois dígitos.

Para buscar algumas respostas, eu perguntei a seguidores no Twitter quem seriam os culpados pelo fato de restaurantes não permitirem que gorjetas sejam adicionadas à conta do cartão de crédito. Das opções: "os proprietários, os garçons, os atrasos para cobrar o dinheiro e 'Oh, bem. Essa é a Argentina'", o último ganhou com 57% dos quase 900 votos. Piadas à parte, a maioria apontou a evasão de impostos e altas taxas de cartão como os verdadeiros culpados.

Macri diria que basta dar tempo a ele. Seu governo teve um impulso em agosto, quando os candidatos do partido se saíram melhor que o esperado nas eleições primárias, um bom sinal para ele antes das eleições legislativas de 22 de outubro. Os investidores e as empresas começam a levar a agenda de crescimento e as políticas do presidente a sério. A projeção é que a inflação caia para 16 por cento no ano que vem, contra cerca de 40 por cento em 2016.

O próprio Macri considera que as transações digitais farão parte da transformação. "Estamos muito acostumados com a internet agora", disse ele, em entrevista recente, e produtos como o Ualá devem ajudar a recuperar a economia.

Enquanto isso, quando passar por um caixa eletrônico, pare.

--Com a colaboração de Charlie Devereux