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Supergrão africano sem glúten pode ser solução para fome e seca

Richard Morgan

01/03/2018 16h09

(Bloomberg) -- Em julho passado, uma loja da Whole Foods no Harlem, em Nova York, decidiu armazenar sacos de fonio, um grão da África Ocidental semelhante ao cuzcuz marroquino (sêmola de trigo). A primeira remessa se esgotou em três horas. Na semana passada, Luol Deng, ala do time de basquete americano Los Angeles Lakers, deu uma festa em sua casa regada a fonio. É o grão do momento e você nunca provou.

"Estamos mais do que prontos para o fonio e passaremos ao próximo nível", disse Noah Levine, diretor de marketing da Yolélé Foods, empresa que tenta criar a primeira cadeia de abastecimento global do grão.

O desafio é considerável. Atualmente, o fonio é cultivado em toda a região rural do Senegal e em bolsões igualmente empobrecidos da região africana do Sahel, faixa subsaariana que vai do Oceano Atlântico ao Mar Vermelho. O produto da Yolélé atualmente está disponível apenas em duas lojas especializadas do Brooklyn, em Nova York, em uma em Los Angeles, na Whole Foods do Harlem e pela internet.

O ressurgimento do grão não poderia chegar em melhor momento para uma região atormentada.

Boa parte da costa do Sahel -- onde a população está crescendo muito -- está na linha de frente do desvio no clima, o ponto de inflexão em que, em um lugar específico, a temperatura média no ano mais frio após 2005 se torna mais quente do que a temperatura média histórica do seu ano mais quente desde 1860. Christopher Field, diretor do Instituto Stanford Woods para o Meio Ambiente, descreve esse ponto como uma espécie de fronteira, assim como o ponto de não retorno é uma fronteira.

"Com o desvio no clima vem um aumento na variabilidade climática", disse Field. "Em ambientes muito dependentes do clima, as plantações capazes de produzir até mesmo em um ano ruim terão maior importância."

Lagos, na Nigéria, a maior cidade da África, com 21 milhões de habitantes, deverá alcançar o desvio no clima em 2029. A Cidade do Cabo deverá ficar sem água até junho e atingir seu desvio no clima em 2038. Considerando o clima atual, o fonio poderia ser a diferença entre um banquete e a fome na região.

Sem glúten, com quatro vezes mais proteína, três vezes mais fibra e quase o dobro do ferro do arroz integral, além de um baixo índice glicêmico, o fonio é muitas vezes chamado de supergrão. Precisa de pouca água para crescer, pode ter três colheitas por ano e seu extenso sistema de raízes ajuda a combater a erosão do solo. Aos olhos de Levine, o fonio é a cura para a fome, a seca, a pobreza e a crise global de imigração. Além disso, "é mais fácil de pronunciar do que quinoa", brinca.

"Veja, a população dessa parte da África deverá dobrar até 2050", disse Philip Teverow, histórico diretor de marca da empresa de supermercados Dean & Deluca e cofundador da Yolélé. "O fonio alimentará todas essas pessoas? Não. Mas pode acabar com a pobreza para que elas possam viver mais como nós? Com certeza."