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Surpresa inflacionária abre sinal para BC cortar juro

Josue Leonel

02/03/2018 15h09

(Bloomberg) -- Num momento em que se propõe a autonomia formal do Banco Central com mandato fixo para cumprir a meta inflacionária, é justamente a inflação que pode abrir espaço ao BC para cortar a taxa Selic para novo recorde, a 6,5%. O mercado passou a ver quase 60% de chances de novo corte da taxa básica de juros em março. As apostas, iniciadas com o IPCA abaixo de todas as previsões de janeiro, se acentuaram nesta quinta-feira com o PIB abaixo do previsto do final de 2017 e ganharam novo sopro com o IPC da Fipe de fevereiro, que mostrou a deflação mais aguda desde 1998.

A expectativa de um crescimento maior da economia em 2018 após a expansão discreta do ano passado não deve impedir o BC de agir. Os níveis elevados do desemprego e do hiato do produto, herança da recessão profunda de 2015 e 2016, tendem a evitar que um PIB maior neste ano impulsione os preços e traga a inflação de volta no curto prazo, diz Tony Volpon, economista do UBS e ex-diretor do BC. "Podemos ter como legado da grande recessão uma inflação baixa por mais tempo. Temos um histórico de recessões rápidas no Brasil, mas esta foi longa e pode ter mudado os parâmetros."

O UBS revisou sua projeção de Selic de 6,75% para 6,5% em março, passando a projetar um corte de 0,25 ponto percentual, após o resultado do PIB de 2017, que mostrou um crescimento de 1%, ligeiramente abaixo do previsto. O também ex-BC Alexandre Schwartsman reduziu a previsão para o PIB de 2018 de 3% para 2,5% após o número de 2017. Ele ainda prevê Selic inalterada, mas disse que aumentaram as chances de nova redução.

Apesar do estágio atual do ciclo e da sinalização do último Copom de que faria sentido parar de reduzir a taxa de juros caso o cenário evoluísse conforme o esperado, um corte adicional dos juros em março é razoável, disse o ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo, presidente da Mauá Capital, que vê o BC respondendo ao que considera uma surpresa inflacionária "bastante intensa".

Volpon, do UBS, observa que os cenários político-eleitoral e externo têm influenciado as apostas no mercado de juros, levando as taxas de longo prazo a níveis que parecem incompatíveis com o otimismo visto até agora no terreno da inflação. Esses fatores têm elevado poder de influenciar as expectativas inflacionárias, sobretudo se contaminarem a inflação via taxa de câmbio, mas por ora a recente volatilidade externa afeta pouco os ativos domésticos.

Para o economista do UBS, se o IPCA de fevereiro, que será divulgado na próxima semana, repetir janeiro e vier novamente abaixo do previsto, não só o mercado terá de rever suas projeções para o ano quanto o próprio BC terá de reduzir sua estimativa para o IPCA, reafirmando as expectativas de novo alívio monetário. Primeiras estimativas para o número que sai dia 9 apontam mediana de 2,82% no acumulado em 12 meses, ainda mais distante do piso da meta, de 3%.

Gustavo Rangel, economista do ING para América Latina, ressalta que, apesar da inflação menor, a decisão do Copom de março será cercada de muita incerteza. A inflação tem vindo abaixo do esperado e as expectativas têm melhorado, o que daria argumentos para se defender outro corte dos juros, porém o mais provável ainda seria a taxa ficar estável. O risco, observa Rangel, é o de que, cortando mais agora, o BC seja forçado a iniciar o ciclo de alta um pouco antes.

As apostas sobre quando o BC volta a elevar os juros estão relacionadas ao debate sobre se a inflação abaixo do piso da meta de 2017 e que entrou em 2018 sem emitir sinais de reação é permanente ou transitória, como ocorreu em outros momentos das últimas décadas. Volpon adiciona ainda uma terceira possibilidade, de o movimento de inflação baixa ser transitório porém longo, devido ao efeito da recessão sobre o hiato do produto.

Além das dúvidas sobre a natureza da inflação, há ainda outros riscos no horizonte, como os da volatilidade externa e das eleições, que travam um maior otimismo com os juros. Nas apostas de longo prazo, o mercado tem se mostrado mais pessimista que os economistas. "Historicamente, quando há divergências entre mercado e economistas, o mercado está certo", diz Volpon.

--Com a colaboração de Vinícius Andrade e Patricia Lara