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Crise no setor de carnes agora atende por novo nome

Gerson Freitas Jr.

06/03/2018 15h55

(Bloomberg) -- A crise de reputação em que a BRF mergulhou, com um escândalo que culminou na prisão de seu ex-presidente e uma disputa inédita no alto comando, aproximou a empresa, antes uma "queridinha do mercado", de sua maior concorrente, a JBS.

A credibilidade da BRF sofreu um forte abalo na segunda-feira, quando a maior fabricante brasileira de alimentos processados tornou-se o principal alvo da nova etapa da operação Carne Fraca, que abalou o setor de carnes no ano passado. O tombo de 20 por cento nas ações da companhia foi o maior em duas décadas, destruindo o equivalente a 5 bilhões de reais em valor de mercado.

Poucas horas após a ação da Polícia Federal, o conselho da companhia marcou a data de uma assembleia de acionistas que pode decidir pela destituição do colegiado comandado por Abilio Diniz. O bilionário viu seu apoio esvair-se depois que a empresa reportou o maior prejuízo de sua história em 2017, mesmo depois de uma série de mudanças na gestão e de estratégia ao longo do último ano.

"Está começando a ficar parecido com o caso da JBS", disse Soummo Mukherjee, diretor-executivo da Mizuho Securities USA, em Nova York. Assim como sua maior rival, a BRF pode ter sua nota de crédito rebaixada em mais de um grau diante do abalo à sua credibilidade e governança, acrescentou.

Os títulos da dívida da BRF com vencimento em 2024, uma emissão de US$ 750 milhões, tiveram perda de 2,6 por cento na segunda-feira, prolongando um movimento que elevou o rendimento dos papéis para 5,8% ao ano, o maior nível em quase 12 meses. Esse rendimento é agora apenas 1,72 ponto percentual superior ao dos títulos da JBS com vencimento no mesmo ano, diferença muito inferior aos 5,92 pontos que se observava em junho, no auge da crise da JBS. Isso indica que a percepção sobre o risco das duas companhias está convergindo, embora a nota de crédito da JBS continue na categoria de alto risco enquanto a BRF ainda mantém seu grau de investimento.

Presidente na cadeia

A JBS, maior produtora mundial de carnes, é uma das empresas controladas pelos irmãos Wesley e Joesley Batista, que no ano passado assinaram um acordo de delação premiada, confessando crimes cometidos ao longo de uma década. Investigações paralelas colocaram os dois irmãos na cadeia e afastou Wesley do comando da companhia. Ele foi solto no mês passado, enquanto Joesley segue preso.

O presidente da BRF, Pedro Faria, um dos fundadores da Tarpon Investimentos (uma das maiores acionistas da BRF), foi preso na segunda-feira, acusado de consentir com fraudes em laudos de testes para incidência de salmonela em carne de frango. Toda a diretoria tinha conhecimento das práticas ilícitas e não fez nada para coibi-las, disse o delegado da Polícia Federal, Mauricio Moscardi Grillo, a jornalistas em Curitiba.

Em comunicado enviado por email, a Tarpon confirmou que seus escritórios foram alvo de busca policial.

A venda de produtos da BRF contaminados por salmonela já tinha sido citada na Carne Fraca há quase um ano, mas o envolvimento do alto escalão elevou a percepção de risco da empresa a outro patamar, na opinião de Adeodato Volpi Netto, responsável pela área de mercados de capitais da Eleven Financial Research, em São Paulo.

Só o começo

"A notícia não é exatamente nova, mas o tamanho da confusão é", disse Netto. Após essas revelações, a BRF pode sofrer ações coletivas de investidores, retaliação por parte de consumidores e condições de crédito mais rigorosas ? esses riscos são difíceis de calcular e ainda não estão totalmente refletidos no preço da ação, segundo ele. "Isto é só o começo para a BRF."

Segundo a polícia, cinco laboratórios credenciados junto ao Ministério da Agricultura, mais uma empresa não identificada, falsificavam os resultados de exames com amostras de carne. O objetivo era esconder condições sanitárias inadequadas e a incidência de salmonela maior do que a tolerada por determinados importadores, desta forma evitando restrições nas vendas e penalidades. As exportações das unidades sob investigação da BRF foram suspensas para alguns mercados com exigências específicas de controle da bactéria, incluindo União Europeia, Coreia do Sul e África do Sul, de acordo com o Ministério.

A BRF afirmou em comunicado que as questões investigadas pela polícia não representam ameaça à saúde e que a companhia segue todos os regulamentos nacionais e internacionais de segurança alimentar.

Mesmo antes que a segunda etapa da operação fosse deflagrada, os efeitos da Carne Fraca ainda reverberavam na empresa. A BRF atribuiu o desempenho decepcionante do quarto trimestre a despesas extraordinárias e ajustes relacionados ao caso.

Por sua vez, a JBS apresentou resultados robustos nos últimos trimestres. A companhia se beneficiou do aumento da demanda por carne bovina, suína e de aves nos EUA, mercado responsável por dois terços da sua receita.

"Posso ver o preço (dos papéis da BRF) caindo ainda mais", disse Ian McCall, que atua como consultor na gestão de US$ 190 milhões em ativos de mercados emergentes na First Geneva Capital Partners. "Esse não é tipo de aventura que o investidor típico da BRF topa correr."