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Dinheiro para cinema ou diesel? Setor de telecom resolve

Fabiola Moura e Rachel Gamarski

24/07/2018 12h49

(Bloomberg) -- De todos os setores atingidos pela greve dos caminhoneiros em maio, o de telecomunicações pode ser o mais inusitado.

Quando o governo concordou em subsidiar os preços dos combustíveis para pôr fim à greve que causou longas filas em postos de gasolina e interrompeu o abastecimento de produtos básicos, foi criado um gasto extra de R$ 9,5 bilhões em um cenário fiscal já em deterioração. Como os cortes de despesas por si só não foram suficientes para cobrir o custo, o governo recorreu a R$ 5,7 bilhões da chamada "reserva orçamentária", dinheiro destinado aos ministérios, mas ainda sem propósito definido.

No Ministério das Comunicações, o Fust - Fundo para a Universalização de Serviços de Telecomunicações - foi escolhido para arcar com os custos. É um dos muitos fundos para os quais as operadoras de telecomunicações contribuem, cada um com uma meta específica que vai de ajudar a fiscalizar os serviços prestados pelas próprias operadoras ao desenvolvimento de tecnologia. No caso de Fust, o saldo era de R$ 3,53 bilhões no final do ano passado, dinheiro que é mantido no Tesouro e que o governo pode usar quando julgar conveniente.

"O setor de telecom financia do diesel até o cinema brasileiro", disse Carlos Manuel Baigorri, superintendente da Anatel, em entrevista por telefone. "Na hora que tem pouco dinheiro, é preciso estabelecer prioridades. A prioridade do governo é manter os serviços essenciais e uma nova despesa apareceu com a greve. "

Criado em 2000, para ajudar a universalizar a telefonia fixa, o Fust nunca foi realmente usado para esse fim, já que de acordo com a legislação brasileira, as operadoras estão sujeitas a pesadas multas se não cumprirem um prazo de sete dias para instalar um telefone fixo em qualquer lugar do país. A telefonia fixa, portanto, já é onipresente, e o fundo não pode ser usado para expandir qualquer outro tipo de cobertura de telecomunicações, como banda larga e telefone celular, que são as demandas atuais dos usuários. Existem atualmente mais de 70 projetos de lei no Congresso propondo outros usos para o dinheiro de Fust, mantendo-o no setor de telecomunicações. A Anatel enviou recentemente sua própria proposta.

A decisão de usar os recursos parados no Fust para financiar os subsídios ao diesel foi mal recebida pela Federação de Telecomunicações do Brasil, que disse na época que o governo "está optando pelo caminho do atraso, da desconexão dos brasileiros" e por onerar ainda mais os consumidores. Cerca de metade da conta mensal de telecomunicações no Brasil é de impostos.

O Brasil tem como meta um déficit fiscal de R$ 159 bilhões este ano, à medida que o país sai lentamente da pior recessão da história. Além de maiores despesas, a greve dos caminhoneiros levou os economistas a reduzir as estimativas de crescimento para o ano, o que significa menores receitas de impostos. Os usuários de telecomunicações só podem torcer para que não se tornem, mais uma vez, a presa fácil.

--Com a colaboração de Samy Adghirni.

Repórteres da matéria original: Fabiola Moura em São Paulo, fdemoura@bloomberg.net;Rachel Gamarski em Brasília, rgamarski@bloomberg.net