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Humilhadas por anos, mulheres contra-atacam em minas chilenas

Laura Millan Lombrana

08/08/2018 15h58

(Bloomberg) -- Na primeira vez que entrou no refeitório de Escondida, a gigantesca operação de mineração da BHP Billiton no norte do Chile, Karen Requena não pôde deixar de sentir os incontáveis olhares fixos em seu corpo ao caminhar pelo enorme salão. "Isso não poderia ficar pior", pensou. Quando foi procurar um lugar para sentar, o alarido começou. Milhares de homens começaram a bater nos pratos com facas e garfos. O ritmo do barulho ensurdecedor acelerava enquanto ela procurava um lugar vazio.

A situação se repetia dia após dia na maior mina de cobre do mundo. Era 2012 e Requena trabalhava em turnos de 10 dias como oficial de segurança de Escondida para a Villatol, uma contratada da BHP Billiton. Logo ela começou a comer sozinha em sua sala.

Cinco anos depois, Soledad Cáceres, outra funcionária de segurança, testemunhou uma cena quase idêntica no refeitório da mina Zaldívar, da Antofagasta. Cáceres relatou o que havia testemunhado ao empregador e à direção da Antofagasta. Os chefes ignoraram a queixa, conta ela. Três meses depois, a contratada para a qual ela trabalhava, a Rentalmin, se recusou a renovar seu contrato. Posteriormente ela foi informada por um ex-colega de trabalho que seu comentário havia sido considerado "fora do lugar" pela direção da Rentalmin, diz Cáceres. "Os homens acham que as mulheres precisam se adaptar porque este mundo ainda é deles", diz. "Aquelas que reclamam são tratadas como geradoras de problemas, como loucas."

As experiências contadas por Requena e Cáceres não são eventos isolados. As mulheres são rotineiramente submetidas a comportamentos humilhantes e piores do que esses, segundo entrevistas da Bloomberg com mais de uma dúzia de funcionárias e ex-funcionárias e pesquisas acadêmicas. Um estudo realizado em 2016 para o Ministério da Mineração entrevistou 603 mulheres e constatou que mais de 40 por cento haviam escutado piadas, cantadas e assobios. Cerca de 20 por cento haviam sido apalpadas e 7 por cento haviam recebido propostas para terem relações íntimas.

A mineração é de longe a maior indústria do Chile, respondendo por cerca de 10 por cento do produto interno bruto e por mais da metade das exportações do país. As mulheres atualmente representam cerca de 8 por cento da força de trabalho. Em comparação, no Canadá pouco menos de 20 por cento dos funcionários da indústria da mineração são mulheres.

"Eu gostaria de ver uma incorporação mais rápida das mulheres", disse o ministro da Mineração do Chile, Baldo Prokurica, acrescentando que algumas empresas consideram que "as mulheres são menos propensas a sofrer acidentes e que as máquinas operadas por mulheres nas minas exigem menos manutenção".

Os avanços tecnológicos devem ajudar. A mineração na era moderna já não é o trabalho fisicamente desgastante de antigamente. Dirigir um caminhão gigante de 550 toneladas, atualmente equipado com direção hidráulica e ar condicionado, não requer um esforço muito maior que o de dirigir um carro. "É possível dirigir o caminhão com o dedo mindinho", diz Gustavo Tapia, presidente da Federação de Mineração do Chile. E à medida que escavadeiras e outras máquinas pesadas automatizadas vão substituindo lentamente o trabalho de mineração tradicional, as operações podem ser controladas e monitoradas a partir de estações de trabalho confortáveis localizadas a centenas de quilômetros da mina. O trabalho oferece um excelente plano de saúde familiar e salário de cerca de US$ 23.500 por ano, em média, quase o dobro do salário médio no Chile.

Empresas de mineração de todo o mundo estão se unindo a uma iniciativa do setor em prol da igualdade de gênero e criando iniciativas para aumentar a proporção de mulheres que trabalham em minas, fundições e refinarias. A BHP prometeu alcançar o equilíbrio de gênero em todas as suas operações espalhadas pelo mundo até 2025, a Freeport-McMoRan estabeleceu uma meta de 15 por cento de funcionárias e a Antofagasta recentemente nomeou mulheres para os conselhos de todas as suas minas. No Chile, as minas controladas pelo governo têm históricos díspares. A Codelco está tentando contratar mais mulheres e, em uma de suas operações de mineração, conseguiu: na Gabriela Mistral, as mulheres representam 24 por cento dos funcionários. Ainda assim, a empresa não conta com nenhuma mulher executiva, nem com assento no conselho.