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Cientista que editou genes lamenta ter sido pouco transparente

Daniela Wei

11/01/2019 14h51

(Bloomberg) -- Quase dois meses depois de He Jiankui ter saído dos holofotes após chocar o mundo afirmando ter editado os genes de duas meninas gêmeas, o cientista chinês disse a um pesquisador da Universidade de Stanford que lamenta não ter sido mais transparente e aberto sobre seu projeto.

Enquanto as autoridades investigam seu polêmico trabalho, há guardas de plantão na frente do apartamento onde He e a família estão morando, na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, em Shenzhen, China, disse William Hurlbut, professor adjunto da Faculdade de Medicina de Stanford. He tem se comunicado com Hurlbut desde a última aparição pública do cientista chinês, em uma conferência em Hong Kong em novembro, disse o acadêmico norte-americano.

Embora He não veja nenhum erro técnico em sua pesquisa pré-clínica, o pesquisador lamenta o modo em que abordou seus estudos clínicos, de acordo com Hurlbut. He sente que "deveria ter mantido um diálogo maior com a comunidade científica e de bioética", disse o neurobiólogo de Stanford por e-mail nesta sexta-feira.

O fato de He ter alterado os genes das gêmeas quando elas eram embriões, na tentativa de torná-las resistentes ao HIV, desencadeou uma reação antagônica no mundo inteiro. Sua universidade repudiou o trabalho e colegas pesquisadores repreenderam o cientista, inclusive Hurlbut, que He havia consultado nos últimos dois anos em sua pesquisa genética.

O governo interrompeu o trabalho no laboratório de He e abriu uma investigação, afirmando que teria uma atitude de "tolerância zero ao lidar com um comportamento desonroso" na pesquisa. Também solicitou no mês passado que as universidades inspecionassem todos os trabalhos de pesquisa sobre edição genética e verificassem se não havia violações de normas éticas.

O paradeiro do pesquisador chinês é um mistério desde novembro. Não foi possível entrar em contato com He para pedir comentários. Um porta-voz de He preferiu não comentar, assim como um representante da universidade.

"He me disse que, tanto em sua situação de vida quanto no processo da investigação, ele está sendo tratado com respeito", disse Hurlbut em uma entrevista na quinta-feira. He pode sair para passear, mandar e-mails e ligar para amigos. O cientista chinês considera que os guardas oferecem uma proteção "razoável", dado o amplo "leque de reações à sua pesquisa", disse ele.

Considerando as descrições de He sobre sua situação, o professor de Stanford disse que ficou surpreso com uma recente reportagem da imprensa que especulava que He poderia enfrentar acusações que resultariam em uma pena de morte.

O pesquisador asiático, criticado pela maneira sub-reptícia em que se comportou em relação a seu projeto de edição genética, mostrou-se desafiante em novembro, dizendo que estava "orgulhoso" de seu trabalho e que foi movido pela compaixão por aqueles que são estigmatizados e afetados pelo HIV.

Enquanto He aguarda o fim da investigação, sua pesquisa vem provocando um amplo debate mundial sobre até onde a comunidade científica e os governos podem empurrar as fronteiras da ciência genética.

"Quando se trata de discussões sobre o que a pesquisa mostrou, sobre o que deveria acontecer e o que precisamos fazer, tudo é muito maior. Não se trata apenas de He Jiankui", disse Hurlbut. "Trata-se de tudo o que está ligado à forma de governar e orientar a ciência internacional."