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Desastre da Vale em Brumadinho faz Bolsonaro reavaliar visão ambiental

27.jan.2019 - Bombeiros procuram corpos na região do Córrego do Feijão, em Brumadinho - Douglas Magno/AFP
27.jan.2019 - Bombeiros procuram corpos na região do Córrego do Feijão, em Brumadinho Imagem: Douglas Magno/AFP

David Biller, Simone Iglesias e Samy Adghirni*

Da Bloomberg, no Rio e em Brasília

29/01/2019 12h21

Durante a campanha eleitoral de 2018, o então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) atacou as agências ambientais brasileiras e prometeu reduzir a burocracia. Eleito, o desastre provocado pelo rompimento da barragem da Vale o levou a repensar essa visão.

Apenas três semanas após Bolsonaro ter assumido a Presidência, o colapso de uma barragem de rejeitos perto da cidade de Brumadinho (MG) liberou um verdadeiro mar de lama que matou dezenas pessoas. Centenas continuam desaparecidas, com possibilidades remotas de encontrar sobreviventes. A tragédia também deixou em suspenso, ao menos por enquanto, os apelos de Bolsonaro para reduzir as regulamentações como forma de acelerar o crescimento econômico.

Parte do apelo eleitoral de Bolsonaro dependia de uma promessa favorável às empresas de conter a sanha controladora do Estado, desmantelando as agências ambientais. Então, na sexta-feira (25), a barragem de Brumadinho se rompeu, apenas três anos depois de um acidente semelhante, também em Minas Gerais, ter resultado no pior desastre ambiental na história do Brasil. Com muitos corpos ainda enterrados sob a lama, a população se revolta. E Bolsonaro e seu gabinete estão prontamente desfazendo promessas de desregulamentação.

Na visão de Ricardo Caldas, professor de ciência política da Universidade de Brasília, o governo terá que segurar um pouco a vontade que vinha demonstrando de acelerar obras. "Isso tudo vai agora para o congelador", disse em entrevista por telefone. "O efeito de Brumadinho vai além do setor de mineração, podendo afetar outros setores da economia."

Agenda Ambiental

Depois da vitória nas eleições, Bolsonaro chegou a defender publicamente a ideia de acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Em meio a retrocessos de muitos de seus próprios simpatizantes no setor agrícola, o presidente entregou o ministério a um advogado pró-negócios que foi condenado em primeira instância por alterar mapas para beneficiar uma empresa de mineração durante sua atuação como secretário de meio ambiente do estado de São Paulo. Ricardo Salles pode recorrer da decisão.

10.jan.2019 - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, nas comemorações dos 80 anos do Parque Nacional do Iguaçu, em Foz do Iguaçu (PR) - Paulo Lisboa/Estadão Conteúdo - Paulo Lisboa/Estadão Conteúdo
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente
Imagem: Paulo Lisboa/Estadão Conteúdo
Em entrevista à Bloomberg News neste mês, Salles sugeriu que priorizar o desenvolvimento econômico criaria mais recursos para cuidar do meio ambiente. Mas em uma entrevista ao vivo para a GloboNews na segunda-feira (28), Salles sugeriu uma abordagem radicalmente diferente.

"O que nós precisamos neste momento é unir essas forças para criar uma regulamentação que em primeiro lugar faça com que as melhores técnicas circunscrito ao tema das barragens sejam implementadas e que os questionamentos econômicos fiquem em segundo lugar", disse ele.

Ele também levantou a possibilidade de futuras minas e algumas instalações existentes mudarem para um método de armazenamento de resíduos secos, que pode ser até 10 vezes mais caro que outros.

'Life on Mars'

O vice-presidente Hamilton Mourão também adotou um tom pró-meio ambiente, dizendo que o governo está avaliando se deve pressionar a diretoria da Vale, a empresa responsável pela barragem, a renunciar. O governo é o maior acionista da gigante da mineração, que recebeu bilhões em empréstimos do BNDES.

"Tem que apurar e punir, mas tem que punir mesmo", disse Mourão a repórteres em Brasília. "A gente tem que preservar nosso planeta, senão vamos ter que viver em Marte."

Bolsonaro visitou Brumadinho menos de 24 horas após o acidente e tuitou uma promessa de buscar justiça e prevenir tragédias similares, pelo bem dos brasileiros e do meio ambiente.

Forçar os mineradores a acabar com as práticas de corte de custos e aplicar punições rigorosas não era a pauta de Bolsonaro que encantava as empresas, mas resta saber se isso é um discurso pós-catástrofe.

Mineração apenas?

Pouco foi feito desde o acidente com a barragem da Vale há três anos; na verdade, o estado de Minas Gerais criou um processo de licenciamento simplificado que a Vale fez em dezembro para expandir o complexo que inclui a barragem de Brumadinho.

Além disso, seis influentes parlamentares e líderes do partido que endossaram a agenda de reformas de Bolsonaro disseram em entrevistas que a tragédia não deveria interromper esforços do governo para reduzir a burocracia e simplificar leis ambientais para projetos menos intensivos. As empresas de mineração, no entanto, devem enfrentar um maior escrutínio, disseram eles.

"A maioria das empresas de mineração só pensa em lucros. Tiraram os engenheiros e colocaram só economistas", disse Fabio Ramalho, o vice-presidente da Câmara, que é de Minas Gerais. "Nas questões que envolvem vida humana, como no caso das barragens, a gente tem que pensar numa questão urgentíssima de fiscalização e de exigências de prevenção. Mas tem muita coisa ambiental que é muito burocrática."

No ano passado, Bolsonaro sinalizou planos de estimular o setor de mineração, especialmente na Amazônia. Se o governo não apertar a regulação, os investidores podem cobrá-lo a fazê-lo.

As vidas no caminho da lama da Vale

UOL Notícias

Investidores, resposta do presidente

O conselho de ética que recomenda exclusões ao fundo soberano da Noruega, de US$ 1 trilhão, está investigando o acidente da Vale. Na Suécia, o conselho de ética da gestora pública de fundos de pensão AP funds já disse que provavelmente recomendaria uma exclusão.

A rápida resposta de Bolsonaro é positiva, especialmente considerando que a ex-presidente Dilma Rousseff demorou uma semana para visitar o local do desastre de 2015, de acordo com Paulo Calmon, professor de ciências políticas na Universidade de Brasília. Isso ainda não significa uma mudança de política.

Segundo Calmon, talvez "possa ser um indicativo de que ele vai ter um agenda um pouco mais sensível as questões ambientais".

*Com a colaboração de Mikael Holter, R.T. Watson e Danielle Bochove