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Com eleição em outubro, Morales perde clientes do gás boliviano

Laura Millan Lombrana, Jonathan Gilbert e Sabrina Valle

05/02/2019 11h49

(Bloomberg) -- O único governo populista bem-sucedido da América do Sul triunfou em parte graças à exportação de gás natural para Brasil e Argentina. Esse quadro pode mudar em breve.

Os contratos com os dois maiores clientes estão prestes a entrar em renegociação, em um momento em que ambos planejam aumentar a produção doméstica, além de terem enormes litorais que dão acesso a um mercado crescente de gás natural liquefeito.

A virada coincide com níveis recordes de dívida pública na Bolívia e com a proximidade da eleição, em outubro. Evo Morales é o líder sul-americano com mais tempo de cargo. Ele entregou 12 anos de crescimento econômico, superando a crise financeira global e o tombo dos preços das commodities. Agora enfrentará uma nova prova, com a queda dos preços de energia e a intensificação dos protestos populares.

"Basicamente, existe uma nova situação que acabou com o monopólio boliviano sobre o gás natural na América do Sul", afirmou Fernando Valle, analista de petróleo e gás da Bloomberg Intelligence. "Quando existem margens altíssimas em outro lugar, alguém eventualmente encontra uma maneira de entrar naquele mercado e prejudicar o outro. É o que está acontecendo agora com os bolivianos."

Nos últimos quatro anos, diminuíram os custos para construção de terminais flutuantes capazes de receber gigantescos navios que transportam GNL, armazenam o gás e realizam vaporização para geração de eletricidade no continente.

Paralelamente, a estatal argentina YPF planeja construir um terminal de exportação que fará liquefação e embarque do gás produzido no país.

Em 2018, a exportação de gás pela Bolívia caiu aproximadamente 30 por cento, afetando drasticamente a receita do governo e a entrada de moeda estrangeira, explicou Alvaro Rios, sócio e fundador da consultoria boliviana Gas Energy LA.

A dívida pública saiu de 36 por cento do PIB em 2014 para 51 por cento em 2017, de acordo com os dados mais recentes do banco central.

"O governo está perdendo popularidade porque a lealdade de muitos líderes locais é mais econômica do que política", disse Waldo Albarracin, reitor da Universidade Maior de San Andres e integrante do Conselho Nacional em Defesa da Democracia, um grupo de oposição.

O Ministério de Hidrocarbonetos se recusou a fazer comentários sobre esta reportagem.

Único que sobrou

Após o venezuelano Hugo Chávez, a argentina Cristina Fernandez de Kirchner, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o equatoriano Rafael Correa, Morales é o último da geração de líderes de esquerda da região que chegaram ao poder prometendo mudanças sociais. Seu último aliado, o venezuelano Nicolás Maduro, enfrenta um impasse sobre quem tem autoridade legítima no país com economia destroçada.

A nova geração de líderes da região tem filosofias políticas bem diferentes. O brasileiro Jair Bolsonaro e o argentino Mauricio Macri prometem trabalhar para aumentar a autossuficiência energética.

Quando o Brasil assinou o contrato com a Bolívia, em 1999, e quando a Argentina fez o mesmo, em 2006, o gás era um combustível escasso e caro principalmente por causa das dificuldades de armazenamento e transporte. A Bolívia conseguiu superar esses problemas com a construção de dois gasodutos.

Reserva de Vaca Muerta

Na Argentina, Vaca Muerta é a segunda maior reserva de gás de xisto do mundo, atrás da China. Em dezembro, a produção argentina chegou a 28 milhões de metros cúbicos diários, mais que o triplo do registrado na mesma época em 2017, de acordo com a Secretaria de Energia. No Brasil, a produção média mensal de gás aumentou 1,7 por cento no ano passado em relação à média de 2017, segundo dados até novembro.

Em outubro, o ex-ministro de Energia Javier Iguacel declarou que a Argentina não precisaria mais de gás boliviano em 2020.

O Brasil, que atualmente gasta US$ 1,3 bilhão por ano com o gás boliviano, quer negociar um novo acordo. O governo do ex-presidente Michel Temer considerava reduzir o contrato atual. No governo Bolsonaro, executivos da Petrobras informaram que um acordo que contemple volumes menores permitiria importação direta de gás boliviano por outras empresas, não só pela estatal.

Vencimento do contrato

O contrato da Petrobras com a Bolívia termina em dezembro. Uma cláusula fundamental determina que a estatal pague por pelo menos 24 milhões de metros cúbicos diários. A estatal boliviana YPFB afirma que o contrato irá além de dezembro porque não entregou todo o gás pelo qual o Brasil pagou e espera que o contrato seja prorrogado até 2023.

Em janeiro, autoridades bolivianas abordaram contrapartes no Peru, em uma aparente tentativa de conquistar outro cliente. Mas um acordo significativo exigiria primeiro a construção de outro gasoduto.

"Os bolivianos obviamente tentam encontrar opções para conseguirem uma posição de negociação mais forte, mas a realidade é que precisarão baixar os preços", disse Valle. "A situação política influencia muito; Morales sabe que está em posição mais fraca agora."

Em outubro, ele concorrerá a um quarto mandato.

Repórteres da matéria original: Laura Millan Lombrana em Santiago, lmillan4@bloomberg.net;Jonathan Gilbert em Buenos Aires, jgilbert63@bloomberg.net;Sabrina Valle em Rio De Janeiro, svalle@bloomberg.net