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Crise financeira na Argentina cria oportunidades para China

Jonathan Gilbert

21/05/2019 12h07

(Bloomberg) -- Localizadas em estepes remotas na Patagônia, onde os ventos uivam e guanacos correm entre os arbustos, as duas represas no rio Santa Cruz estão nos estágios iniciais de construção, mas já são relíquias de uma época passada. Os mamutes de concreto, orçados em US$ 4,1 bilhões, são o primeiro grande projeto hidrelétrico da Argentina em um quarto de século. Aproveitar os rios para gerar eletricidade se tornou um método ultrapassado em uma época em que o vento e a energia solar estão em ascensão, e o gás natural é abundante e barato em muitas partes do mundo.

O motivo pelo qual a Argentina vai na contramão do mercado mundial pode ser explicado com uma palavra: China. A Argentina enfrenta uma crise financeira que praticamente bloqueou a entrada do país nos mercados de crédito e paralisou os investimentos. O presidente Mauricio Macri, que a certa altura parecia prestes a abrir mão de hidrelétricas financiadas pela China, tem poucas opções a não ser permitir que a construção avance enquanto faz campanha para conseguir ser reeleito em outubro. "Macri apostou sua presidência na chegada de investimentos, mas acabou enfrentando um incêndio econômico após o outro", diz Francisco Urdinez, professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Chile, e especialista em relações sino-latino-americanas. "Qualquer tipo de projeto que possa ir adiante é, portanto, muito importante para ele, e é isso o que a China está fornecendo."

Em 2013, após uma licitação competitiva, um consórcio liderado pela estatal chinesa Gezhouba Group venceu uma concorrência para construir duas hidrelétricas com capacidade de geração combinada de 1,3 gigawatt. Uma das represas receberia o nome de Néstor Kirchner, falecido marido da então presidente Cristina Kirchner, ex-governador da província de Santa Cruz, onde o projeto está localizado.

Quando Macri se mudou para o palácio presidencial, instruiu seus assessores a fazer uma revisão do contrato e enviou uma delegação a Pequim para examinar os termos da linha de crédito, que críticos do projeto alegavam ser obscuros. Enquanto isso, seu governo estabeleceu metas elevadas de energia renovável ??e preparou licitações para parques eólicos e solares. Macri também procurou atrair empresas estrangeiras de energia para desenvolver o Vaca Muerta, a segunda maior reserva de gás de xisto do mundo.

A China vem expandindo sua presença na América Latina, em parte sob a égide da Iniciativa "Belt and Road", um projeto de alta prioridade para o presidente Xi Jinping, que busca reforçar a influência do país em todo o mundo. Segundo o professor Urdinez, o financiamento chinês de projetos de energia na América Latina é seis vezes maior do que o do Banco Mundial. Nesta década, empresas chinesas estatais construíram e adquiriram hidrelétricas no Equador e no Peru. De volta à Argentina, a China National Nuclear está em negociações para construir uma usina nuclear de US$ 8 bilhões. "A Argentina tem uma falta real de opções de financiamento, mas precisa de mais poder, por isso é particularmente vulnerável à China", disse James Ellis, chefe de pesquisa da América Latina na BloombergNEF.

Grandes projetos hidrelétricos, como o que a Gezhouba está construindo na Patagônia, muitas vezes provocam protestos de ambientalistas e comunidades vizinhas. Os planos para a Condor Cliff e La Barrancosa, que devem ser concluídos em 2023, tiveram que sofrer ajustes por causa de preocupações sobre seu impacto nas geleiras rio acima, como a Perito Moreno, um polo turístico. A Gezhouba participou da construção da hidrelétrica da Three Gorges no Rio Yangtzé, que deslocou mais de 1 milhão de pessoas.