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Mercados sinalizam chance de crise de dívida na Argentina

Sydney Maki e Aline Oyamada

12/08/2019 17h09

(Bloomberg) -- Em apenas algumas horas, a Argentina passou de uma tempestade controlada para um naufrágio total, à medida que os investidores se desfazem de dívidas do governo com medo de outro possível default do país.

A expectativa era de que Mauricio Macri ficasse distante apenas alguns pontos de seu oponente na eleição primária obrigatória que serve como uma prévia mais precisa antes da eleição presidencial de outubro. Mas, em vez disso, o presidente foi atacado nas urnas no domingo, com eleitores dando a Alberto Fernandez uma vantagem de 15 pontos. A crise abre caminho para que um governo mais protecionista assuma o poder em dezembro e aumenta a visão nos mercados de que os títulos em circulação e o programa do Fundo Monetário Internacional terão que ser renegociados.

Os contratos de credit default swap (CDS) agora mostra probabilidade implícita de 75% de que a Argentina dê default em sua dívida nos próximos cinco anos, contra apenas 49% no fechamento do pregão de sexta-feira. Os títulos do governo em dólar perderam cerca de 25%, em média, na segunda-feira, empurrando os preços para uma faixa de 55-60 centavos, elevando os yields para até 35% nas notas de curto prazo.

"O mercado está começando a precificar um default ", disse Edwin Gutierrez, diretor de dívida soberana de mercados emergentes na Aberdeen Asset Management, em Londres. "O mercado não está disposto a dar a Fernandez o benefício da dúvida."

Para uma nação com longa história de inadimplência que só resolveu o desastre anterior em 2016 com Macri, a súbita mudança de sentimento está abalando investidores estrangeiros e argentinos que já sofreram com anos de inflação alta, mal-estar econômico e divisão política. Um título de 100 anos vendido durante o pico de otimismo com a reforma de Macri há dois anos agora está sendo negociado a cerca de metade do valor em que foi emitido pela primeira vez.

O peso caiu até 30%, para recorde de baixa de 59 por dólar, e o índice Merval teve a maior queda intradiária em toda sua história.

Parte da incerteza para os investidores está em torno de quem é Alberto Fernandez. Ex-chefe de gabinete na administração do ex-presidente Nestor Kirchner, ele rompeu com a esposa de Nestor, ex-chefe de estado Cristina Fernandez de Kirchner, apenas para retornar como candidato presidencial com ela como vice. Os oito anos de Cristina no cargo foram marcados por controles de moeda, manipulação de dados e políticas protecionistas de comércio para proteger a indústria nacional. Isso sem mencionar outro default.

É provável que a curva de rendimento dos títulos da dívida em dólar da Argentina fique ainda mais invertida, uma vez que as ofertas atuais para notas de curto prazo implicam em aumento de 15 pontos percentuais nos yields. Conforme o mercado precifica a possibilidade de um default soberano, os títulos de um século e aqueles com vencimento em 2028 estão caindo mais de 20%, aumentando os rendimentos em mais de 300 pontos base.

"Será um período extremamente difícil para os ativos argentinos", disse Marcin Lipka, analista sênior da corretora Cinkciarz.pl em Zielona Gora, na Polônia. "Sem moderação da dupla Fernandez e considerando as expectativas crescentes de outra briga com o FMI, eu não excluiria a possibilidade de o peso atingir o nível 100/dólar nos próximos 12 meses."

Lipka, cuja perspectiva sobre as moedas da América Latina tem estado entre as três mais precisas desde o segundo trimestre de 2018, disse que o nível de 100 pesos por dólar não é seu cenário de base, mas espera extrema volatilidade nas próximas semanas. Há um risco de que a moeda atingida duas vezes em meio a problemas de liquidez, saídas de capital e pressão inflacionária, disse ele.

Luiz Ribeiro, principal gestor de portfólio de ações latino-americanas do DWS Group em São Paulo, disse que provavelmente reduzirá pela metade os 12% de ativos que possui na Argentina. Seu fundo de ações na América Latina superou 92% dos pares no ano passado, enquanto acumulava participações na Argentina em meio a expectativas de continuidade política.

"O que estamos precificando agora é uma mudança radical nas políticas econômicas", disse ele em entrevista. Ainda assim, ainda está overweight em relação ao benchmark, já que "Alberto Fernandez pode ter um discurso mais moderado, o que acho possível devido ao tipo de turbulência que vemos no mercado agora".

Também é possível, embora seja difícil, que Macri possa ressurgir com a aproximação das eleições de 27 de outubro, disse ele.

"Se Fernandez vier com alguns comentários favoráveis ao mercado (especialmente sobre o FMI) e/ou uma equipe de economia digna de confiança, isso certamente ajudaria o sentimento", disse Esther Law, gestor sênior de carteira de dívida de mercados emergentes da Amundi Asset Management, em Londres. "Há chance para isso, mas é difícil prever o momento."

Em uma coletiva de imprensa na noite de domingo, Macri disse que teve "uma eleição ruim" e que sua coalizão trabalharia para mudar a tendência. O presidente se recusou a dizer se anunciará medidas especiais para acalmar os mercados ou impulsionar a economia do país antes da votação do primeiro turno.

Enquanto o mercado esperava que Fernandez desse algumas palavras de encorajamento aos investidores que estão desesperados para conhecer seus planos de governo, ele não fez propostas aparentes durante seu discurso de vitória no domingo.

Na segunda-feira, ele disse a uma rede de rádio local que o órgão regulador de valores mobiliários deve investigar informações compartilhadas na semana passada que motivaram uma manifestação antes da votação.

Ele sugeriu que o mercado olhasse para Macri em busca de respostas e não para ele, e que a reação mostra como os investidores reagem quando sentem que foram "roubados".

--Com a colaboração de Tomoko Yamazaki, Alexander Nicholson, Ney Hayashi, Felice Maranz e Justin Villamil.

Repórteres da matéria original: Sydney Maki New York, smaki8@bloomberg.net;Aline Oyamada em São Paulo, aoyamada3@bloomberg.net