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Nova política externa da Argentina sinaliza giro à esquerda

Juan Pablo Spinetto

29/10/2019 13h23

(Bloomberg) -- Alberto Fernández ainda não tomou posse na Argentina, mas diplomatas em Buenos Aires já aguardam ansiosamente o que deve ser outro giro na política externa do país, desta vez, à esquerda.

A mudança pode significar uma postura menos bajuladora em relação ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, do que a de Mauricio Macri, que colocou a Argentina mais em linha com as metas dos EUA em assuntos regionais, especialmente em relação à Venezuela.

Fernández sinalizou que a Argentina pretende retomar seu apoio aos governos de esquerda da América Latina. Com isso, o país poderia estreitar laços com México e Venezuela e enfrentar maiores tensões com o Brasil, a maior economia da região.

Fernández só tomará posse em 10 de dezembro, mas os primeiros sinais de mudança apareceram poucas horas após sua vitória nas eleições. Em um discurso a simpatizantes na sede de sua campanha, o novo presidente parabenizou Evo Morales - o socialista há mais tempo no poder na América do Sul - pelo quarto mandato na Bolívia. No entanto, os resultados ainda estão sendo checados, e os oponentes de Morales alegam fraude.

Fernández também pediu a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que provocou uma reação imediata do presidente Jair Bolsonaro, sinalizando uma brecha entre os dois maiores membros do Mercosul.

Fernández também escolheu o México como o destino de sua primeira viagem internacional, de acordo com uma pessoa com conhecimento do assunto. Na segunda-feira, o líder argentino teria um encontro com Andrés Manuel López Obrador, um dos presidentes de esquerda mais populares do mundo, com um índice de aprovação superior a 60%.

Os passos iniciais apontam uma mudança da política externa de Macri, focada nos negócios e nos EUA, para uma abordagem mais ideológica de esquerda, sob a qual as relações internacionais são vistas como uma extensão da política doméstica.

A postura da futura vice-presidente reforça essa percepção. Cristina Kirchner, em sua época como presidente, favoreceu alianças com líderes de esquerda e teve uma relação tensa com nações ocidentais.

Brasil

Os laços com o Brasil e com Bolsonaro serão um teste fundamental para as duas principais economias da América do Sul.

Durante a campanha e mesmo na noite da eleição, Fernández pediu repetidamente a libertação de Lula, a quem visitou na prisão em julho. Isso irritou Bolsonaro e aqueles que veem seus comentários como uma interferência nas decisões judiciais do Brasil.

Diplomatas em Brasília dizem que a esperança é que Fernández adote uma abordagem mais pragmática quando estiver no cargo e que perceba o valor da parceria comercial.

EUA

Para os EUA, a eleição de Fernaández representa um risco após a estreita aliança entre Macri e Trump. A última coisa que Washington quer é a influência de outro líder de esquerda latino-americano, o que reforçaria a posição do presidente venezuelano Nicolás Maduro e o regime em Cuba.

Nesse sentido, o governo dos EUA tem um incentivo para se aproximar de Fernández - principalmente devido ao forte investimento de empresas americanas no país - e trabalhar com os elementos mais pragmáticos de seu governo. Os EUA também tentam reduzir a influência da China na região.

Como o maior acionista do Fundo Monetário Internacional, os EUA serão essenciais para iniciar as negociações com o novo governo sobre o empréstimo de US$ 56 bilhões à Argentina, que está atualmente suspenso.

A política da Argentina em relação à Venezuela será fundamental nessas negociações. Washington pode estar menos disposto a oferecer apoio ao FMI se a Argentina ficar do lado de Maduro.

O secretário de Estado dos EUA, Michael Pompeo, parabenizou Fernández por sua vitória nas eleições, mas Trump ainda não comentou o resultado.

--Com a colaboração de Samy Adghirni e Peter Martin.

Para contatar o editor responsável por esta notícia: Daniela Milanese, dmilanese@bloomberg.net