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200.000 marinheiros não veem plano para levá-los para casa

K. Oanh Ha, Krystal Chia e Claire Jiao

09/07/2020 13h32

(Bloomberg) -- Assim como milhares de tripulantes, Karika Neethling desejava ir para casa quando a pandemia do coronavírus abalou o setor de cruzeiros marítimos. A ansiedade virou desespero quando ela descobriu estar grávida.

Mas por quase três meses, a jovem sul-africana de 27 anos se viu presa em um emaranhado de restrições de fronteiras e burocracias corporativas. Ela ficou navegando entre portos nas Bahamas e na Itália enquanto sua empregadora MSC Cruises trabalhava para levar tripulantes para casa.

"Acho que nunca fomos prioridade", disse Neethling, que atuava em uma loja a bordo do luxuoso MSC Preziosa. "Eu estava deprimida e desesperada pensando que poderia ter o bebê no navio."

Neethling não está sozinha. Ela finalmente chegou em Joanesburgo, porém mais de 200.000 tripulantes permanecem presos em embarcações ao redor do mundo, incluindo cargueiros, petroleiros e cruzeiros de luxo. Restrições à atracação de navios para deter a disseminação da Covid-19, fronteiras fechadas e falta de voos são as maiores barreiras à ajuda aos tripulantes esgotados. Mas a pressão sobre as linhas de cruzeiros e transportadoras vem aumentando.

A MSC afirma que está trabalhando com governos e portos para levar os trabalhadores para casa o mais rápido possível, priorizando as gestantes. A empresa afirmou em comunicado que um "pequeno número" de tripulantes grávidas ainda "aguarda repatriamento, apesar de nossos máximos esforços para garantir passagem segura para casa."

O grau de responsabilidade que as empresas assumem pelos trabalhadores presos a bordo é um ponto cada vez mais contencioso. Essa situação aumenta o risco para uma das populações de trabalhadores mais vulneráveis do mundo ? alguns presos a bordo por mais de um ano. Além disso, seu efeito indireto pode reverberar por todo o setor de transporte marítimo e por toda a economia global.

"A pressão para trocar tripulantes aumentou drasticamente", disse Carl Schou, CEO da Wilhelmsen Ship Management, que supervisiona cerca de 5.000 trabalhadores em embarcações e gerencia um contingente de pessoal duas vezes maior. "Se nada acontecer para retirar os tripulantes dos navios, o transporte marítimo para."

As empresas de cruzeiros conseguiram levar a maioria dos funcionários para casa ao reunir milhares deles e embarcá-los em voos fretados, ou mesmo transportando-os em navios de luxo sem passageiros. No entanto, na marinha mercante, a maioria dos tripulantes ainda não conseguiu sair.

Devido a restrições de viagens, outros 200.000 trabalhadores marítimos não conseguiram voltar aos navios para substituir tripulantes com contratos vencidos. Em vez disso, os que estão nos navios receberam solicitações para renovar ou prorrogar seus contratos, embora muitos deles se recusem.

Tripulantes a bordo estão cada vez mais desesperados. A autoridade marítima das Filipinas recebeu "relatos alarmantes de trabalhadores se matando nos navios devido a solidão e depressão", disse o administrador Robert Empedrad durante um discurso no mês passado.

Indianos presos a bordo do luxuoso MV Astoria, da Global Cruise Lines, fizeram greve de fome em junho, exigindo voltar para casa. Aquela embarcação e outras quatro da mesma companhia foram detidas pela guarda costeira do Reino Unido por causa de contratos vencidos, salários atrasados e tripulantes que estão a bordo há mais de 12 meses.

©2020 Bloomberg L.P.