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Zygmunt Bauman:"A democracia é a primeira vítima da desigualdade de hoje"

04/02/2014 16h55

Carmen Sigüenza.

Madri, 4 fev (EFE).- O pensador polonês Zygmunt Bauman se transformou em uma das vozes mais criticas contra "o capitalismo selvagem" e a "desigualdade" que gerada por ele, e a primeira vítima desta situação, na opinião do professor e sociólogo, "é a democracia".

Assim refletiu Zygmunt Bauman (Poznan, Polônia, 1925) em entrevista à Agência Efe para a divulgação de seu mais recente livro, "A riqueza beneficia a todos?", lançado nesta terça-feira na Espanha (e que sairá no Brasil ano que vem pela Zahar Editora).

Bauman, aos 89 anos continua viajando por todo o mundo com "prazer" e paciência infinita para explicar a desigualdade que vivemos nesta "sociedade de modernidade liquida", conceito chave com o qual define a instabilidade do mundo atual, "consumista e em contínua mudança".

"O estado democrático durante anos se ajustou à promessa e à responsabilidade de proteger e de dar bem-estar a qualquer coletivo contra a desgraça individual. As pessoas tinham sentido de pertinência e solidariedade. Hoje todo isso mudou e, quando chegam os problemas comuns e compartilhados, o estado diz: 'É problema seu; resolva você'".

"Daí que a confiança que existia nas instituições está caindo. As pessoas sabem que do estado não vão obter nada e sabem que as instituições democráticas e políticas não realizam suas promessas", ressalta.

Bauman, que vive desde anos 70 em Leeds (Reino Unido), lembrou que de 1900 até 1970 houve uma tendência no mundo em que a desigualdade estava minguando. "Mas, a partir de 1970, a situação mudou, e a tendência se inverteu. Hoje as 85 pessoas mais ricas do mundo têm a mesma riqueza que os quatro bilhões de habitantes mais pobres da terra, e esta é a raiz da situação", acrescentou.

"Hoje a sociedade está mudando, e os multimilionários são um grupo cada vez menor que se beneficia de rendas, da renda nacional. Enquanto isso a classe média está cada vez mais perto dos proletários e do povo que vive na miséria: é o que eu chamo de 'precariado'".

Bauman, autor de títulos como "Modernidade líquida", "Tempos líquidos: Vivendo a era da incerteza" e "Vidas desperdiçadas", citou o papa Francisco em sua exaltação apostólica chamada "Evangelium Gaudium": "Os lucros de uma minoria estão crescendo exponencialmente, da mesma forma que o vazio que separa a maioria da prosperidade que poucos felizes escolhidos desfrutam".

"Os muito ricos, os bilionários, colocaram uma barricada ao redor e subiram as pontes levadiças", acrescentou Bauman.

Uma situação tão desigual que, segundo o pensador, a sociedade aceita de forma passiva por vários motivos: primeiro, porque nas últimas décadas, "quando é preciso enfrentar um problema, só se faz através do chamado crescimento econômico. Este crescimento, nos dizem, é a solução, e pensam que é ilimitado, mas sabemos que não é assim e que os problemas crescem".

Outro fator que contribui para esta paralisia nas pessoas é o consumo: "nos tornaram escravos do consumo, das lojas, dos grandes centros de compras. A busca da felicidade equivale a ir às compras", sustenta.

Por último e como consequência da aceitação de tudo isso, a nova organização da vida é "mais individual e desregulada, e isso fazer aumentar a falta de solidariedade".

Bauman, parafraseando Richard Rorty, acrescentou: "Enquanto o proletariado estiver distraído em seu próprio desespero com eventos fictícios criados pela imprensa, os superricos não tem nada a temer".

O ar de tranquilidade dado pelos fartos cabelos brancos, cachimbo na mão, constrasta com a verve desse filho de judeus poloneses que fugiram do país após a invasão alemã, ao criticar que "hoje não há racionalidade nem solidariedade, só competitividade sem piedade".

"Se existe riqueza, educação e privilégios, também deve haver um dever moral com os outros", advertiu, ao lembrar que não é profeta e que nada é definitivo neste mundo. "Um mundo que tem um cemitério cheio de esperanças e desgraças", concluiu Bauman.