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Argentina negocia pacote 'clássico' com o FMI

Cláudia Trevisan, correspondente; Colaborou Altamiro Silva Júnior

Washington e São Paulo

10/05/2018 12h05

A Argentina começou na quarta-feira (9), a negociar com o FMI (Fundo Monetário Internacional) um programa clássico de socorro a países que enfrentam dificuldades para honrar seus compromissos externos. Chamado de "stand  by de acesso excepcional", ele implica monitoramento mais estrito do país beneficiado do que a "linha de crédito flexível" que o governo de Mauricio Macri gostaria de obter.

A opção por esse tipo de "stand by" indica que os valores em negociação são substanciais e deverão superar a cifra inicial de US$ 30 bilhões que, segundo a imprensa local, seria pedida pela Argentina. As conversas começaram à tarde na sede do FMI em Washington, onde o ministro da Fazenda da administração Macri, Nicolás Dujovne, se reuniu com Alejandro Werner, diretor da instituição para o Hemisfério Ocidental.

Em nota, a assessoria do ministro disse que as negociações poderão ser concluídas em seis semanas. Nesta quinta-feira, 10, Dujovne se reunirá com a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, e com o subsecretário de Assuntos Internacionais do Departamento do Tesouro americano, David Malpass. O apoio do governo Donald Trump ao pedido é importante, já que Washington é o maior acionista do Fundo.

O "stand by de acesso excepcional" permite que o país tenha acesso a valores que superam os limites do "stand by de acesso normal". A contrapartida são juros mais elevados e uma análise mais rigorosa da diretoria do Fundo para aprovação do crédito. A "linha de crédito flexível" só é concedida a países com sólidos fundamentos macroeconômicos e que não enfrentam problemas semelhantes aos da Argentina, como alta inflação e crise no balanço de pagamentos.

Não está claro se o programa envolverá desembolsos efetivos ou se será um "stand by" preventivo, que funciona como uma espécie de reserva a ser usada em caso de necessidade financeira. A definição do modelo de crédito dependerá da avaliação da situação do país e dos vencimentos de dívida ao longo dos próximos meses.

Apesar de não envolver o desembolso imediato de recursos, o crédito preventivo pode acalmar o mercado e funcionar como um "selo de qualidade" do Fundo às medidas econômicas do país.

Nos próximos dias, o FMI enviará uma missão à Argentina, que colherá subsídios para o relatório que embasará a decisão da diretoria da organização sobre o programa argentino. Como parte desse processo, o governo Macri deverá apresentar uma "carta de intenções" com os compromissos que pretende cumprir em troca do empréstimo.

Ex-diretora do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, a economista Teresa Ter-Minassian disse ter ficado surpresa com a rapidez da deterioração da crise argentina. Em sua opinião, parte desse movimento foi provocado pela grande "sensibilidade" da população à taxa de câmbio. "Muitos contratos são em dólar ou vinculados ao dólar, o que faz com que a taxa de câmbio seja muito importante."

Segundo ela, a depreciação recente fez com que muitos buscassem a "porta de saída" ao mesmo tempo, o que gerou pânico e acentuou a desvalorização do peso. Ter-Minassian também acredita que o gradualismo da política econômica de Macri pode ter perdido fôlego. "Eles estão indo na direção correta, mas o mercado obviamente passou a acreditar que isso não é suficiente", observou.

A economista não vê risco de a crise argentina contagiar o Brasil. "Há muito o que ser feito dentro do Brasil, mas a posição externa do país é muito mais sólida que a da Argentina, com reservas elevadas e pouca dívida pública em moeda estrangeira." Além disso, o Brasil tem um sistema de flutuação de câmbio mais sedimentado que o país vizinho.

Risco para o Brasil

A crise Argentina pode ter impactos para a economia brasileira, mas com "efeitos e dimensões bastante limitados", avaliaram na quarta-feira os economistas do Bradesco, ressaltando que os dois países têm diferenças econômicas importantes. "O risco de um contágio financeiro para o Brasil nos parece extremamente baixo", ressalta relatório assinado pelos analistas Constantin Jancsó e Andrea Bastos Damico.

Ao contrário da Argentina, o Brasil, segundo o Bradesco, tem uma situação "muito confortável" nas contas externas, com déficit próximo de zero, além de ter investimento externo direto de US$ 65 bilhões, reservas internacionais de US$ 380 bilhões, cinco vezes superior à dívida externa do governo (US$ 70 bilhões) e ausência de dívida local indexada ao dólar. No país vizinho, o déficit da conta corrente bate em 5% do PIB, a dívida externa é 70% em dólar e as reservas líquidas estão na casa dos US$ 30 bilhões.

Outra diferença importante é a inflação, que no Brasil está abaixo da meta do Banco Central, enquanto na Argentina deve chegar perto de 20% este ano. "Apesar dos desafios fiscais de médio prazo [no Brasil], no curto prazo, as contas públicas não oferecem risco à economia diante da vigência do teto dos gastos, da redução do gasto público, dos subsídios e do crédito direcionado", ressaltam os analistas. "Logo, é muito improvável que os eventos recentes na Argentina possam ter algum impacto duradouro na economia brasileira."

Os dois países, porém, são grandes parceiros comerciais. A Argentina é o terceiro destino mais relevante das exportações brasileiras no mundo, atrás apenas de China e EUA, mesmo assim, impacto da crise tende a ser baixo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.