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Brasil precisa se preparar para negociações com Trump, alertam empresários

Jamil Chade, correspondente

Genebra

02/10/2018 18h24

Empresários estrangeiros e brasileiros sugerem que o Brasil se prepare para negociações bilaterais com os EUA e alertam que as críticas feitas por Donald Trump contra as medidas protecionistas brasileiras devam ser vistas como uma estratégia da Casa Branca para negociar.

Na segunda-feira (1º), Trump atacou a relação comercial com o Brasil. Ao responder sobre o que considera relações comerciais injustas para os EUA, Trump disse que empresas americanas se queixam do Brasil como "um dos mais duros do mundo".

John Denton, presidente da Câmara de Comércio Internacional (ICC, sigla em inglês), considera que o Brasil precisa se preparar para negociar com os americanos. "Todas as políticas de governo que não contemplem negociações bilaterais não estariam fazendo justiça aos cidadãos do país. Isso deve ser uma opção. E o país deve estar preparado", afirmou Denton, que representa seis milhões de empresários em mais de cem países.

"Ha uma visão generalizada nos EUA de que uma ação direta e bilateral é mais eficiente que a multilateral e, de uma certa forma, isso está se provando ser verdadeiro neste momento", disse. Segundo ele, o governo Trump colocará em sua agenda todos os assuntos e setores que possam criar um déficit para a economia americana. "Ele acredita genuinamente que uma conversa bilateral tem mais chance de chegar a um resultado mais rápido. Seria um erro em Brasília pensar que esse não seria a estratégia usada", alertou.

Denton, porém, também defende que economias como a do Brasil e Índia "olhem para o futuro". Caso contrário, ele acredita que as "tensões irão continuar". Nos últimos anos, o ICC tem alertado que a economia brasileira é a mais protecionista entre os membros do G-20. "Alguns trens precisam começar a deixar a estação, como o da economia digital", defendeu.

Daniel Feffer, presidente do escritório da ICC no Brasil e vice-presidente do Conselho de Diretores da Suzano Papel e Celulose S/A, vê os comentários de Trump como um sinal do que pode vir pela frente. "O que certamente Trump está fazendo neste momento é demonstrando o estilo dele de negociar perante o novo governo que vai chegar no Brasil", declarou. "Está mostrando que é assim que a gente joga, põe o pé na porta e depois entra para conversar", afirmou.

Para o executivo, o Brasil terá de ser "muito objetivo" ao negociar com Trump. Mas também sugere que o País se lance em suas reformas.

"Se não houver agenda interna, você não vai para agenda externa preparado", disse. "Para você se preparar para negociar com o Trump, tem que fazer a agenda interna, fazer a lição de casa para passar de ano, e não estamos fazendo a lição de casa", alertou o executivo, numa referência a reformas, melhor infraestrutura, acesso ao capital e redução de impostos.

Na avaliação de Feffer, Trump também tem suas dificuldades no comércio com o Brasil. "Vamos ter de mapear, como os subsídios americanos para diversos setores da indústria, explícitos ou não. Isso vai entrar na pauta", disse. De acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria, 83,4% de tudo o que o Brasil hoje exporta para os EUA são bens industrializados.

Fundador do AliBaba vê cenário 'confuso'

Jack Ma, o fundador da Alibaba e um dos homens mais ricos da China, se surpreendeu diante da notícia das críticas de Trump contra o Brasil e Índia. "As coisas estão ficando cada vez mais confusas", disse o empresário a jornalistas brasileiros.

Para ele, a tensão internacional é resultado de uma situação de desequilíbrio gerada há anos. "Esse problema foi causado há quinze anos. Não adianta pensar que uma solução vem em três meses, rapidamente. Isso está gerando muita tensão", disse.

Antes, numa conferência, Ma deixou claro que os riscos são elevados e que um conflito vai "destruir o comércio". "É fácil lançar uma guerra. Não pará-la", alertou. "Ela vai atingir todos e é um enorme desafio. Uma guerra não só vai destruir o comércio da China e EUA. Mas também o das pequenas e grandes empresas de todo o mundo", disse.

"Quando o comércio para, as guerras começam. O comércio não pode ser a arma para fazer guerra. Quando ela começar, vai ser difícil parar", alertou.

Ma garante que os empresários não querem um conflito. "Não é disso que precisamos. Se ela começar, vai levar 20 anos", disse. O chinês lembrou que foi o desenvolvimento da primeira revolução industrial que, de forma indireta, lançou a Primeira Guerra Mundial. A segunda revolução industrial acabou lançando, em sua visão, a Segunda Guerra Mundial. "Estamos entrando na terceira revolução industrial, mas não queremos uma 3ª guerra mundial", disse.

Apelando por um diálogo entre as partes, Ma também alertou que o déficit de um país não pode mais ser, no século 21 a medida para avaliar se o comércio está funcionando. "Os americanos cresceram em quase 4%, mesmo com um déficit", disse. "O que interessa é a qualidade do comércio", disse.

Daniel Funes de la Rioja, empresário argentino que preside o grupo do setor privado do G-20, estima que a ofensiva de Trump deixa claro que o Mercosul precisa ser reforçado para permitir que a região possa negociar com maior peso diante de Washington ou qualquer outra grande economia. "Precisamos aprofundar seriamente o Mercosul", defendeu.

"Nossos países são muito mais fracos no contexto do bilateralismo", alertou o empresário. "Acreditamos que a lógica na qual devem resolver os problemas é no multilateral, e posições unilaterais são respeitáveis mas não compartilhadas", completou.