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Embraer acusa Boeing de quebra de contrato

Embraer Bandeirante - André Porto/UOL
Embraer Bandeirante Imagem: André Porto/UOL

Luciana Dyniewicz, Tânia Monteiro e Idiana Tomazelli

São Paulo e Brasília

26/04/2020 07h30

Até então parceiras, as fabricantes de aviões Embraer e Boeing entraram em guerra neste sábado, 25, após a americana ter anunciado que encerrou as negociações para comprar a divisão de aviação comercial da brasileira. As empresas haviam anunciado, em julho de 2018, o acordo de US$ 4,2 bilhões, que recebeu aval do governo de Jair Bols fonaro sete meses depois.

O anúncio da Boeing se deu em meio a maior crise de sua história, que envolve dois acidentes com seu principal avião, o 737 MAX, e a paralisação do setor aéreo em decorrência da pandemia da covid-19. A companhia responsabilizou a Embraer pela não conclusão do negócio. Em nota, afirmou que "exerceu seu direito de rescindir (o contrato) após a Embraer não ter atendido as condições necessárias", mas não especificou quais eram as condições.

A Embraer respondeu às afirmações, três horas depois, também em nota, na qual acusou a americana de ter rescindido o contrato de forma indevida. "(A Boeing) fabricou falsas alegações como pretexto para tentar evitar seus compromissos de fechar a transação e pagar à Embraer o preço de compra de U$ 4,2 bilhões."

A nota afirma ainda que a empresa acredita que a Boeing vinha adotando "um padrão sistemático de atraso e violações repetidas ao MTA ( acordo), pela falta de vontade em concluir a transação, pela sua condição financeira, por conta dos problemas com o 737 MAX e por outros problemas comerciais e de reputação".

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo apurou, a brasileira pretende tentar retomar as negociações e, caso não consiga chegar a um acordo, deverá entrar na Justiça para ser ressarcida. No documento emitido ontem, a Embraer afirma que "buscará todas as medidas cabíveis contra a Boeing pelos danos sofridos como resultado do cancelamento indevido".

O rompimento do acordo foi visto dentro do governo brasileiro como um desfecho já esperado, diante da crise enfrentada pela empresa americana e pelo baque que a pandemia do novo coronavírus provocou no setor aéreo. Na ala militar, o negócio não era unanimidade e, por esse motivo, o desmanche do acerto não foi lamentado, pelo contrário, foi até comemorado.

A área econômica, que tem apostado em privatizações e concessões para alavancar o crescimento da economia após a crise, avalia que a desistência não teve relação com uma percepção de risco em relação ao Brasil. Segundo um integrante da equipe, se fosse um negócio envolvendo aéreas dos EUA e da Europa, o desfecho seria o mesmo. Os defensores do Plano Pró-Brasil de investimentos públicos em infraestrutura, por sua vez, já usam o rompimento do acordo como munição para a estratégia do defesa do programa.

Mercado

Nas últimas semanas, o mercado vinha aventando a possibilidade de a transação não ser concluída. No último domingo, o Estado mostrou que, entre os entraves, estava a capacidade de a Boeing pagar o valor devido à Embraer. Além dos dois acidentes com os aviões 737 MAX, que mataram 346 pessoas e levaram o modelo a parar de operar, a crise do coronavírus vem prejudicando a situação de caixa da companhia.

A Boeing inclusive indicou que a indústria aeroespacial americana necessitará de US$ 60 bilhões do governo para sobreviver. A empresa seria a principal beneficiada se esse montante for liberado. Nos EUA, porém, a possibilidade de parte desse dinheiro ser usada para comprar uma empresa brasileira é alvo de críticas.

Outro problema que apareceu recentemente nas negociações foi o valor do contrato. Em 4 de julho de 2018, um dia antes do negócio ser anunciado, a Embraer valia R$ 19,8 bilhões no mercado. Hoje, esse número é de R$ 6,1 bilhões, um recuo de 69%, o que tornaria elevado o valor a ser pago agora pela Boeing.

Apesar de sempre ter sido dado como certo, o acordo entre as empresas vinha sofrendo dificuldade, desde o ano passado, para conseguir aval das autoridades reguladoras da União Europeia, o que atrasou a conclusão do negócio. A previsão inicial era que a americana assumisse os 80% da divisão de jatos comerciais da brasileira no fim do ano passado.

Além da venda do braço de aviação comercial da Embraer, o acordo previa a criação de uma joint venture para a comercialização do cargueiro militar C-390 Millenium, o maior avião já desenvolvido no Brasil e cujo projeto foi recém-concluído. Havia possibilidade de essa nova empresa, da qual a Embraer seria sócia majoritária, instalar uma linha de produção do modelo nos EUA, para pode ampliar seu potencial de vendas para o governo americano e outros países parceiros de Washington.

Com a rescisão do contrato, a criação da joint venture também foi cancelada. As duas companhias, porém, manterão um acordo para que a Boeing venda e faça manutenção do C-390 em parceria com a Embraer.

Mau momento

O fim das negociações entre Boeing e Embraer vem no pior momento para a brasileira, que já não estava em seu auge. Após investir R$ 485,5 milhões em 2019 no processo de separação do braço de aviação comercial - que iria para a Boeing -, a Embraer enfrenta um cenário de demanda fraca pela sua nova família de aviões, o E2, e ainda terá de encarar a crise causada pela pandemia da covid-19, que afundou o setor aéreo.

Fontes do mercado dizem que possivelmente a brasileira precisará de um socorro do governo (seguindo o exemplo da Boeing, que pediu ajuda de Washington) ou terá de buscar um outro acordo de venda. A maior oportunidade seria com a China, que quer crescer na aviação com a estatal China Commercial Aircraft (Comac). Em vídeo enviado ontem a funcionários, porém, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, afirma que a empresa tem liquidez "suficiente e acesso a fontes de financiamento para alavancar seus negócios".

A joint venture na aviação comercial com a Boeing, na qual a brasileira teria 20%, era praticamente uma aposta de sobrevivência da Embraer. Isso porque o mercado se tornou mais acirrado quando, em outubro 2017, a europeia Airbus comprou o programa dos jatos C-Series da canadense Bombardier. O C-Series era uma família de aviões que competia diretamente com a Embraer.

Com a rescisão do contrato com a Boeing, a Embraer agora brigará sozinha contra gigantes. Tudo se torna mais grave porque a brasileira acaba de investir US$ 1,75 bilhão para desenvolver três novos modelos de aviões, os E2, que, apesar de serem considerados os melhores da categoria, estão sendo pouco demandados. "As vendas estão fracas porque o setor já não ia muito bem", afirmou uma fonte.

O processo de separação da divisão comercial da Embraer também estava praticamente concluído e havia exigido milhões de dólares. Apenas na nova sede da companhia haviam sido aportados US$ 30 milhões (quase R$ 170 milhões na cotação atual).

Ao cenário já complexo, soma-se a crise da covid-19. Com o afastamento social e o fechamento das fronteiras, a maior parte da frota aérea global está no solo. As companhias aéreas enfrentam uma crise profunda e deverão cortar suas encomendas de aviões. Segundo estudo da consultoria Bain & Company, a demanda por aeronaves menores, como as produzidas pela Embraer, deve voltar ao patamar pré-crise apenas no último trimestre de 2021.