Tesouro admite dificuldade para interpretar artigo que 'susta' LRF
Segundo o órgão, a lei que criou o socorro federal a Estados e municípios afastou as punições para quem deixa o caixa no vermelho, além de outros limites e sanções, "desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública". "Há dúvida sobre como interpretar o afastamento das vedações relacionadas a esse dispositivo (disponibilidade de caixa), tendo em vista que não envolve arrecadação de recursos", diz o Tesouro.
Segundo o órgão, seria necessária uma interpretação jurídica para definir se a exigência de caixa está suspensa apenas para as despesas relacionadas à calamidade realizadas nos últimos oito meses do ano ou se vale para outros gastos que deixaram de ter fonte financeira devido à queda de arrecadação na esteira da crise ou ao redirecionamento de recursos para o combate à pandemia.
Uma terceira possibilidade, ainda segundo o Tesouro, seria entender que a exceção prevista pelo socorro abarca toda e qualquer insuficiência de caixa, inclusive as derivadas de rombos nos anos anteriores.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o temor de técnicos do governo é que cada um interprete do jeito mais favorável, sob a chancela dos tribunais de contas.
Um dos criadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o economista e professor do IDP José Roberto Afonso entende que a lei não abriu nenhuma exceção para gastos sem relação com a calamidade e que "cabe aos tribunais de contas assegurar a correta aplicação".
"Eu acho muito difícil que os tribunais de contas, mais os ministérios públicos estaduais de contas, venham fazer uma leitura de que o artigo 42 da LRF foi suspenso de forma generalizada por essa lei complementar. E acho que os prefeitos que apostarem que liberou geral correm sério risco de problemas com prestação de contas", afirma Afonso. Segundo ele, prefeitos com que ele tem conversado demonstram preocupação em atender às exigências de caixa da LRF.
TCU
A apuração do cumprimento ou não do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que cobra a existência de caixa em fim de mandato, é feita pelos Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) ou municipais (TCMs) no momento da análise das contas de governo e depende ainda de uma interpretação jurídica do texto legal. Esses tribunais, preenchidos por indicações políticas, até hoje não motivaram nenhuma condenação de gestor por deixar rombo no caixa, embora a situação já tenha sido verificada em anos anteriores.
Para barrar a ameaça de descumprimento da LRF, os prefeitos que já verificavam desequilíbrio no caixa em 2019 precisariam conter despesas ou cancelar gastos de anos anteriores que ainda aguardam pagamento.
Além de descumprir a lei, quem deixar dívidas descobertas ainda vai pressionar o caixa dos sucessores num momento já de dificuldade. A procuradora do MP de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane lembra que a insegurança na arrecadação tributária no momento de retomada e a expansão dos gastos supostamente extraordinários no enfrentamento da pandemia levarão ao aumento da dívida dos governos regionais.
A prefeitura de Diadema informou que, do rombo no caixa no fim de 2019, pouco mais de R$ 100 milhões vinham do déficit previdenciário diante da dificuldade do município em honrar a alíquota patronal suplementar de 19,26% (além dos 11% regulares) para sustentar as aposentadorias. Neste ano, a previsão de restos a pagar com fornecedores e prestadores de serviços é de R$ 35 milhões, fora o déficit na Previdência. A prefeitura não respondeu sobre como interpreta o artigo que afastou a necessidade de ter dinheiro em caixa para suas obrigações. As demais prefeituras não responderam até o início da tarde deste sábado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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