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Em imbróglio societário, fundo dos EUA questiona petição de Alcolumbre

Na petição, o fundo sugere que Alcolumbre (foto) tenta "proteger os interesses privados do Grupo Odebrecht" - Reprodução
Na petição, o fundo sugere que Alcolumbre (foto) tenta "proteger os interesses privados do Grupo Odebrecht" Imagem: Reprodução

Rayssa Motta e Fausto Macedo

Em São Paulo

03/11/2020 14h02

O imbróglio societário em torno da Atvos Agroindustrial, grupo de empresas sucroalcooleiras da Odebrecht em recuperação judicial, ganhou um novo capítulo. Na sexta-feira (30) o fundo americano Lone Star entrou com uma petição na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para que um ofício emitido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), contra a transmissão do controle acionário da empresa seja desconsiderado. Desde que comprou as ações do banco Natixis, em maio, o Lone Star vem tentando assumir a direção da companhia, que segue a cargo do Grupo Odebrecht.

Procurada pela reportagem, a Presidência do Senado informou que se manifestou no âmbito de um processo administrativo aberto na Casa e, no documento, "apenas reitera a necessidade de observância das normas legais e da prerrogativa conferida ao Congresso Nacional de deliberar sobre a alienação que importe em transferência da propriedade rural para estrangeiros".

No ofício em questão, emitido em 22 de outubro, Alcolumbre sugere necessidade de autorização do Congresso Nacional para a transferência das ações da Atvos. Isso porque, segundo o senador, a transação envolve a transmissão de imóveis rurais, com extensão superior a 100 Módulos de Exploração Indefinida, a uma pessoa jurídica estrangeira, o fundo Lone Star, no contexto da alienação fiduciária.

"No caso da Atvos Agroindustrial, a venda pela NATIXIS das ações que representam seu controle acionário para a LSF10 BRAZIL, salvo melhor juízo, teria como efeito a transferência dos Imóveis Rurais das empresas do Grupo Atvos para pessoa jurídica estrangeira sem qualquer autorização do Poder Público, violando não apenas o art. 190 da Constituição Federal, a Lei 5.709/71 e a Lei no 8.629/1993, como o Decreto no 74.965/1974 e a IN 88 de 2017 do INCRA que estabelecem a necessidade de prévia autorização pelo Congresso Nacional também para os casos de transferência do controle acionário de empresas proprietárias de Imóveis Rurais no Brasil", registrou.

Segundo Alcolumbre, a venda é "nula" até que eventual autorização seja concedida pelo Congresso. No documento, o presidente do Senado diz ainda que a notificação é um "alerta" às partes envolvidas na transação.

"A venda sem qualquer controle dos Imóveis Rurais a estrangeiros representaria risco à própria soberania nacional já que se trata do uso do território por estrangeiros e, no caso do Brasil, de bens essenciais para o desenvolvimento da economia e da política fundiária do país", sustenta Alcolumbre.

Em reação, o Lone Star acionou a Justiça. Na petição, o fundo questiona o documento assinado por Alcolumbre. Isso porque o Senado Federal já havia se manifestado em uma ação movida pelo Grupo Odebrecht na 4ª Vara Federal Cível da capital federal para tentar suspender os efeitos da venda das ações.

O processo foi extinto em agosto, sem análise do mérito, por determinação do desembargador Frederico Botelho de Barros Vianna, que afastou a competência da Justiça Federal para julgar o caso em razão da ausência de agentes federais envolvidos no processo. Nele, União, Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) não apresentaram objeções ao negócio. A sentença do desembargador, no entanto, ressalva que "o interesse do Congresso (no processo) envolve suas atividades típicas, enquanto Poder, não controláveis pelo Poder Judiciário".

Na petição, o fundo sugere que Alcolumbre tenta "proteger os interesses privados do Grupo Odebrecht". A defesa também afirma que o ofício do presidente do Senado é "pobre como parecer jurídico, lastreado inclusive em premissas erradas, unilateralmente fornecidas" e viola a competência do Poder Judiciário para analisar o caso.

"A Presidência do Senado Federal resolveu emitir um "parecer" atípico (ou seja lá o que for o tal ofício) sem seguir nenhum rito processual conhecido e em favor do Grupo Odebrecht", diz um trecho da petição. "O Poder Legislativo não tem qualquer competência/investidura para decidir sobre a validade/nulidade de negócios jurídicos privados, de modo que o ofício em referência representa nada mais do que a mera tentativa de emplacar uma 'carteirada'", sustenta o Lone Star.

Segunda maior produtora de etanol do País, a Atvos teve seu plano de recuperação judicial homologado em agosto depois de acumular dívidas da ordem de R$ 15 bilhões. A homologação se deu após o Lone Star comprar de credores da Odebrecht, por R$ 5 milhões, o controle da sucroalcooleira. Desde então, a Odebrecht alega falta de transparência e tenta cancelar a operação.

Com a palavra, a presidência do Senado

"O Ofício nº 986/2020/PRESID da Presidência foi expedido em resposta à Notificação enviada pela ATVOS à Presidência do Senado Federal (documento 0100.067871/2020-37), que resultou na instauração de processo administrativo nesta Casa Legislativa (processos nº 00200.008178/2020-02, 00200.008377/2020-1100200.010645/2020-56, que também contou com a manifestação da LSF10 (0100.069113/2020-53 e 0100.070162/2020-39).

As manifestações apresentadas administrativamente pela AVTOS e pela LSF10 estão relacionadas ao ofício expedido pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da ação 1033372-39.2020.4.01.3400, em que se discutia eventual interesse da União e do Senado Federal ingressarem na aludida ação judicial.

O Senado Federal apresentou manifestação nos autos, em resposta às intimações que recebeu, e também à Advocacia-Geral da União, por intermédio da Advocacia do Senado, demonstrando a necessidade de prévia observância do procedimento estabelecido pela legislação, de aprovação prévia do Congresso Nacional em relação à transmissão de propriedade rural para pessoas estrangeiras, nos termos do inciso III do parágrafo 1º do art. 1º da Lei 5.709/71c/c parágrafo 4º do art. 2º da Lei nº 6.634/79 e do parágrafo 2º do art. 23 da Lei nº 8.629/1993.

Foi proferida sentença pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da ação 1033372-39.2020.4.01.3400 apenas no sentido de afastar sua competência para julgar a matéria, ressalvando, contudo, "o interesse do Congresso envolve suas atividades típicas, enquanto Poder, não controláveis pelo Poder Judiciário, eis que há um sistema de freios e contrapesos e a necessidade de exercício do self restraint por parte dos Magistrados".

O Ofício nº 986/2020/PRESID da Presidência apenas reitera a necessidade de observância das normas legais e da prerrogativa conferida ao Congresso Nacional de deliberar sobre a alienação que importe em transferência da propriedade rural para estrangeiros."