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'O IGP é muito citado, mas pouco utilizado'

Márcia De Chiara

26/12/2020 12h12

Depois da montanha russa da inflação em 2020, quando a projeção começou o ano na casa de 3%, despencou para menos de 2% na virada do semestre e deve encerrar dezembro acima do centro a meta de 4%, há muita incerteza para o cenário de preços em 2021. O coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas, o economista André Braz, diz que a inflação ao consumidor pode fechar 2021 em 3,55%, abaixo da meta, se houver um encaminhamento da política de vacinação e decisões para reduzir o déficit público. Com isso, as incertezas se reduzem e as pressões sobre o câmbio e preços em reais também. Caso não ocorra, ele acredita que o IPCA poderá subir para 4,5%.

Braz, que é responsável pelo Índice Geral de Preços (IGP), um dos indicadores que é referência do mercado para reajustar outros preços, minimiza o papel do IGP na indexação. "O IGP não indexa muita coisa importante. Ele é muito citado, mas pouco utilizado." A seguir, trechos da entrevista.

Como foi a inflação de 2020?

Foi uma montanha russa. No final de 2019, a perspectiva era uma inflação mais perto da meta, de 3,6%, 3,7%. Com a pandemia, os brasileiros tiveram de fazer o confinamento e a alimentação se destacou frente a outras despesas, inicialmente pela mudança de hábito de consumo. Houve outros complicadores, como a quebra de safra de feijão, redução da área plantada com arroz, desvalorização cambial, que resultaram em aumentos de preços, como de milho, soja, trigo e carnes. Começamos a exportar muita coisa, principalmente para a China. Isso complicou a vida da alimentação que foi o grupo que sofreu o maior desafio. Por outro lado, como não era possível consumir serviços por causa da pandemia, esses preços ficaram em banho-maria e, junto com os duráveis, não tiveram reajustes significativos a maior parte do tempo. Eles serviram de âncora para a inflação. Houve algum alívio também dos preços administrados, com bandeira tarifária da energia elétrica verde até novembro. Até dois a três meses atrás a expectativa era de uma inflação um pouco acima de 2%. Gradualmente surgiram movimentos que engrossaram a alta de preços. Com a retomada das atividades, houve aumento de preços dos bens duráveis, das passagens aéreas e até as escolas retiraram os descontos das mensalidade. E, por fim, a bandeira tarifária vermelha da energia elétrica. A inflação ao consumidor fecha o ano em 4,5%. Fecharia em 4% sem a bandeira vermelha.

Como fica para 2021?

Tenho dois cenários. Um considera não ter uma política muito assertiva de vacinação e de condução da questão fiscal. A falta de solução para esses dois problemas aumenta a incerteza e pode gerar novas desvalorizações cambiais. Essas desvalorizações encarecem commodities que são usadas como matéria prima tanto para a produção de alimentos quanto para bens duráveis. Isso pode fazer a inflação surpreender e subir 4,5% em 2021. Se, no entanto, houver uma boa política de vacinação e o encaminhamento de medidas para redução da dívida pública, acho que poderemos fechar o ano com inflação de 3,55%, abaixo da meta, de 3,75%. Olhando os grupos, acredito que a alimentação não suba tanto em 2021. O fato de dizer que ela não vai subir não significa que ela vá devolver a gordura acumulada este ano. Se os alimentos continuarem caros em 2021, será um desafio para a população, mesmo que não subam mais. A influência de alimentos diminui em 2021, mas a dos preços administrados, dos bens duráveis e de serviços aumenta.

Qual é o efeito da indexação na inflação por causa da alta dos IGPs, que balizam contratos?

É fraco. O IGP não indexa muita coisa importante. Ele é muito citado, mas pouco utilizado. O aluguel residencial do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da FGV, por exemplo, fechou o ano com alta de 3%. Isso não tem nada a ver com os 24% de alta acumulada pelo IGP-10 de 2020, a maior variação desde 2002. Com o desemprego muito alto, pouca gente tem capacidade de pagar aluguel. Tem havido muita negociação. O IGP entra na energia elétrica, mas é uma fração muito pequena. O fato de ele fechar o ano em 24% não quer dizer que ele vai orientar correções contratuais nessa magnitude no ano que vem. O risco de indexação é pequeno.

Como o sr. vê a combinação de desemprego alto e inflação que pode surpreender em 2021?

O desemprego elevado vai ser um desafio para a redução da desigualdade, até porque começamos o ano com alimentos muito mais caros, além do fim do voucher (auxílio emergencial). Isso pode resultar em alguma tensão social, mas não sei de qual magnitude.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.