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Especialistas divergem em prévia de programa de Lula que fala em revogar medidas

Lula e Alckmin devem formar a chapa e ainda não está claro quais serão as políticas econômicas adotadas pelo petista em um eventual terceiro mandato. - Ricardo Stuckert
Lula e Alckmin devem formar a chapa e ainda não está claro quais serão as políticas econômicas adotadas pelo petista em um eventual terceiro mandato. Imagem: Ricardo Stuckert

São Paulo

07/06/2022 13h51

A coordenação de campanha do pré-candidato ao Palácio do Planalto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) registrou nesta segunda-feira, 6, em um documento 90 diretrizes para a montagem de um programa de governo petista. Entre elas, especialistas consultados pelo Estadão apontam que as propostas no âmbito da economia, que incluem a revogação da reforma trabalhista e do teto de gastos, além de uma renovação na política cambial, podem não refletir em um dos principais resultados esperados pelos entrevistados nas últimas pesquisas eleitorais: o controle da inflação e o crescimento econômico.

Em um dos itens, a pré-campanha petista propõe "recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento". "Para isso, é preciso revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, que é disfuncional e perdeu totalmente sua credibilidade". O teto funciona como uma regra fiscal que limita o aumento das despesas públicas à inflação.

O pesquisador associado do Insper e um dos criadores do teto de gastos, Marcos Mendes, defende que é preciso uma regra fiscal bem definida e que a revogação do teto pode liberar o crescimento da despesa dos poderes autônomos. "Simplesmente revogar o teto vai criar a lei da selva que existia antes, de colocar todo tipo de despesa dentro do Orçamento", disse. "Ter uma regra de limitação de despesa tem sido muito positivo, apesar de todos os furos que foram feitos, o teto ainda é limitante. A despesa em proporção com o PIB está controlada."

Para ele, não há instrumentos institucionais e equilíbrio político para garantir que a despesa seria controlada sem uma regra taxativa. "Vide a expansão das emendas parlamentares. Todas as demandas de curto prazo que aparecem viram proposta para aumentar gastos", argumentou. O economista entende ser "perigoso" revogar uma regra sem colocar outra no lugar.

Já o consultor econômico e especialista em contas públicas Raul Velloso entende que a revogação do teto dos gastos pode ser benéfica se atrelada a uma política de recuperação do crescimento por meio do investimento em infraestrutura. Segundo ele, a queda no investimento em infraestrutura esteve colado com a curva do PIB ao longo dos anos, e o teto contribuiu para desacelerar este processo.

"Nós começamos o processo de cortar cada vez mais os investimentos. Se já eram cortados, foram cortados ainda mais. O teto de gastos ajudou a acelerar a queda que já vinha ocorrendo mesmo sem ele", disse

Para o consultor, a revogação seria possível se o governo equacionar a dívida previdenciária dos regimes dos servidores, para sobrar recursos para investir no setor público. "(É preciso) um plano de governo que comece dizendo que para tirar o país da situação de terra arrasada, o item número um será investimento. Mas o investimento é o público, porque o que caiu foi o público, o privado está estagnado ao redor do 1% do PIB", defendeu.

Política cambial

Outro ponto levantado no programa petista é a política cambial. O partido sugere "reduzir a volatilidade da moeda brasileira por meio da política cambial" como forma de "amenizar os impactos inflacionários de mudanças no cenário externo". O texto justifica que a "orientação passiva para a política cambial" tem consequências "perversas" para o índice de preços.

Mendes contesta a proposta de que o câmbio seja usado para estimular o crescimento econômico e conter a inflação. Segundo ele, a ideia do atual tripé entre câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal é que o câmbio seja uma variável de ajuste. "Se você fixa o câmbio, um choque externo deveria desvalorizar a moeda, se mantém fixo, vai ficar mais valorizado do que ficaria em um câmbio flutuante. Com isso, o Brasil perde reservas e tem crise na balança de pagamentos", aponta Mendes .

Para o economista, manter o modelo proposto pelo partido exige uma taxa de juros alta. "Toda vez que você está com o câmbio fora do lugar, vai ter uma tendência a mandar moeda para o exterior e o Banco Central tem que aumentar o juros para atrair capital e evitar fuga de capital", defendeu.

Reforma Trabalhista

Em outra proposta, petistas e aliados afirmam defender a "revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer e a construção de uma nova legislação trabalhista". Segundo o documento, a rediscussão do tema se daria por meio de uma "negociação tripartite, que proteja os trabalhadores, recomponha direitos, fortaleça os sindicatos sem a volta do imposto sindical, construa um novo sistema de negociação coletiva e dê especial atenção aos trabalhadores informais e de aplicativos".

Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Ives Gandra Martins da Silva Filho, que estava à frente da Corte durante a reforma de 2017, criticou a iniciativa de Lula e aliados. "Seria andar para trás e dar um tiro no pé", afirmou.

Após uma série de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF), os integrantes da Corte declararam constitucional os principais pontos das mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) durante a gestão Michel Temer (MDB). "O STF já endossou as duas principais reformas: contribuição sindical voluntária e prevalência do negociado sobre o legislado."

Como o Estadão mostrou, especialistas defendem que as mudanças na legislação trabalhista sejam aprofundadas. Para o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) o ponto principal não deve ser a revogação da lei, mas a redução da diferença de custos entre o trabalhador formal (com carteira de trabalho) e o informal. "Enquanto houver essa diferença de custo, vamos continuar com o mercado dual de trabalho, que é uma característica brasileira há décadas".

'Documento aberto'

O texto da campanha de Lula resulta de debates liderados pelo presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante. "O documento de 15 páginas contém as ideias-força iniciais em relação a cada tema e não abrange propostas específicas. Portanto, trata-se de um documento aberto de diretrizes para a construção do programa de governo, não se trata ainda do programa de governo em si", diz o petista, em nota.