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'Argentina faz política, enquanto Brasil tenta sobreviver', diz economista

A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e o presidente argentino, Mauricio Macri - Alan Marques/ Folhapress
A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e o presidente argentino, Mauricio Macri Imagem: Alan Marques/ Folhapress

20/01/2016 08h59

SÃO PAULO - Recém-chegado ao cargo de presidente da Argentina, Mauricio Macri pode se tornar a estrela do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que acontece entre os dias 20 e 23 de janeiro. 

É um palco que está pronto para que Macri deixe sua mensagem ao mercado: "senhores, estamos de volta", avalia o economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas e crítico ferrenho da política econômica que tem sido adotada no Brasil nos últimos anos.

Para ele, se o Brasil seguir por esse caminho, ficará estagnado no próximo ano, vendo a Argentina retomar sua economia, passado o "ano de transição" em 2016. Isso porque, enquanto Macri está fazendo política, o Brasil tenta sobreviver. " Aqui não há liderança, não há projeto, não há ascendência, não há habilidade, não há interlocução com a oposição, não há nada", critica.  

Confira abaixo a entrevista com Fábio Giambiagi ao infomoney:

InfoMoney Pouco mais de um mês após ser eleito, Maurício Macri já está conduzindo o país em uma nova direção para evitar uma catástrofe econômica e queda do PIB este ano. Diante de todas as medidas já sinalizadas até agora, você acha que a Argentina tem fôlego para ultrapassar o Brasil em breve? Se sim, isso seria poderia ocorrer em quanto tempo? 

Fabio GiambiagiO Brasil é e continuará sendo uma economia muito maior que a Argentina. A grande diferença é que, na Argentina, o ano de 2016 pode ser encarado como um ano de transição rumo a um 2017 de clara retomada da economia, com linhas de ação completamente diferentes das que vigoraram até 2015.

Já no Brasil, em caso de continuidade, ano que vem estaremos lidando com restrições políticas parecidas com as de hoje, embora o quadro do setor externo possa apontar para um pequeno alívio e o fim da contração da economia.

Creio que a diferença principal passa pela postura e pela ação dos respectivos presidentes. Na Argentina, Macri está se posicionando claramente como um líder: tem popularidade elevada, representa claramente uma parcela hoje majoritária da sociedade, tem um projeto, tem poder de convocação e tem respeitabilidade dos interlocutores de oposição, além de ter agido até agora com bastante habilidade.

Por aqui, podemos dispensar comentários, porque o contraste é enorme. Aqui não há liderança, não há projeto, não há ascendência, não há habilidade, não há interlocução com a oposição, não há nada. Macri está fazendo política, enquanto o Brasil tenta sobreviver.

IM - Quais eram os principais desafios de Macri quando assumiu o governo argentino em dezembro?

FG - Eu diria que eram cinco, basicamente. O primeiro era reorganizar a economia. A Argentina não chegou a um grau de desorganização da sua economia como o da Venezuela, onde impera o caos, mas tinha se transformado numa economia de controles abusivos, que estava travando um número crescente de atividades que agora devem começar a se movimentar de novo.

Já o próximo passo estava associado ao primeiro, que era recuperar o crescimento, depois de alguns anos de comportamento medíocre da economia. Posteriormente, sair do "cepo" cambial, um sistema de controle de divisas digno da Coreia do Norte com uma taxa de câmbio completamente artificial.

O quarto, combater a inflação, inaceitavelmente alta para os padrões do mundo de hoje. E o quinto, renegociar com os "holdouts" uma saída para a dívida, permitindo a reinserção da economia argentina no mundo.

IM - Qual sua visão sobre a negociação da dívida da Argentina?

FG - É uma "crônica de um sucesso anunciado". Posso ser surpreendido, mas a princípio acho que em 2016 teremos um acordo, porque ambas partes têm fortíssimos incentivos para isso. O governo argentino está em plena campanha tentando se mostrar para o mundo com a mensagem de "a Argentina está de volta". O acordo com os credores é peça chave dessa estratégia.

A Argentina precisa e vai querer muito esse acordo. E a estratégia dos credores, de negociar em posição de força, cedo ou tarde tem que levar eles a ceder. Afinal de contas, mesmo quem comprou títulos argentinos na "bacia das almas", até agora só gastou dinheiro, comprando títulos, pagando advogados caríssimos e até agora não viu a cor de um centavo de retorno.

É gente fria, profissional, paciente, mas algum dia o "dindim" precisa aparecer para que o esforço se justifique. Finalmente, com títulos comprados a alguma coisa em tono de 30 centavos por dólar de valor de face, o espaço para deixar todos felizes é enorme.

Afinal de contas, se quem comprou a 30 fecha acordo a 33, são 10 % de ganho em dólar, ao passo que para quem originalmente devia 100, no final reduzir isso para 70 ou para 67 não faz tanta diferença.  

IM - O pior está por vir para o Brasil em 2016? Estamos realmente nos aproximando cada vez mais da Venezuela? 

FG - Tudo indica que seremos o segundo ou terceiro país de pior desempenho na região em 2016 em termos de trajetória do PIB, como resultado de erros desastrosos de gestão cometidos no passado, da falta de solução para os problemas, etc.

A ideia de que "estamos nos aproximando da Venezuela" tem obviamente algo de retórica. A ideia tem um fundamento político em função dos laços políticos que unem o governo brasileiro com a administração chavista e das semelhanças entre a ideologia bolivariana e as manifestações de segmentos mais radicais do PT e tem um fundamento econômico devido à evidente incapacidade do governo venezuelano e de segmentos importantes do PT de entender o que é e como funciona o capitalismo e de perceber que a Guerra Fria acabou há um quarto de século.

É evidente, porém, que não chegaremos à situação de faltar papel higiênico nos supermercados, estamos longe disso. Temos uma economia mais complexa e sofisticada e apesar dos erros cometidos, nossas autoridades econômicas têm bom senso.  

IM - Macri não precisou de muito tempo para mostrar ao mercado que está disposto a colocar o país nos trilhos. Já por aqui, todas as medidas que tentaram ser adotadas parecem ter minguado pelo caminho. Você consegue ver um caminho viável para o Brasil sair da recessão? 

FG - A vantagem de ter vivido bastante é que já se viu muita coisa na estrada. Eu vivi a recessão do começo dos anos 80 e depois o país saiu da crise, o mergulho recessivo de 1990 e a saída 2 ou 3 anos depois, a hiperinflação.

As economias passam por processos de ajuste e um dia as crises acabam. O Brasil está passando por um ajuste muito severo da sua economia, a crise vai passar e o país vai se recuperar. Evidentemente, o processo político pode ajudar ou atrapalhar essa dinâmica.

Fases de retomada do crescimento em geral estão associadas a algum tipo de otimismo político. Em parte, a retomada de 1984 decorreu da percepção de que faríamos uma transição política suave, como de fato ocorreu. Em meados dos anos 90 passamos por um mini-boom associado à estabilização e à liderança política do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Da mesma forma, depois de 2003 o país se recuperou porque existia a percepção de que o Governo Lula e o PT tinham aprendido a lição e percebido que o rigor fiscal e o compromisso com a inflação baixa eram positivos, percepção essa que muitos agentes econômicos anos depois passaram a questionar, o que é parte da explicação da retração dos investimentos nos últimos anos.

Com o ajustamento fenomenal que estamos fazendo no setor externo, a partir de 2017 haveria condições da economia se recuperar, mas isso requer também ter um governo que aponte um rumo, tenha coesão, lidere o processo político e consiga aprovar reformas no Congresso. Não é exatamente o quadro que temos visto nos últimos meses.

IM - A eleição de Macri reascendeu a ideia de que a América Latina caminha para um apagão do bolivarianismo. Mas você pensa que atualmente temos um "Macri" no Brasil?

FG - Na verdade a causalidade é a contrária: eu tenho dito que o Macri pode ser uma espécie de "Fernando Henrique argentino", no sentido de ser um presidente com inequívoco compromisso com a democracia, visão socialdemocrata, confiança no mercado, minoritário em termos partidários mas com condições de dialogar com o Congresso.

Esse papel poderá ser assumido naturalmente por quem vier a se tornar Presidente no Brasil em oposição ao governo atual, com uma agenda reformista e uma política externa diferenciada em relação à atual.

IM - Depois de 12 anos fora, a Argentina volta a participar do Fórum Econômico, em Davos. O que isso indica ao mercado? O Brasil tem razões para se amedrontar com isso?

FG - É um símbolo importante. Macri em Davos desperta um interesse, curiosamente, parecido ao que Lula despertava nos meios empresariais e financeiros mundiais em 2003.

Ele assumiu depois de 20 anos de pregação fortemente esquerdista e na ocasião foi como se dissesse: "Meus amigos, convido vocês a um ciclo de prosperidade, vamos fazer negócios juntos e todos nos beneficiar disso". Foi inteligente. É claro que Macri não desperta desconfiança nenhuma nesses meios, mas o país sim.

A Argentina dos últimos 10 anos praticou uma impressionante sucessão de atrocidades econômicas: estatização do petróleo, estatização dos fundos de pensão, congelamentos abusivos, intervenção vergonhosa no índice de preços, ameaças a empresários.

O ambiente de negócios era simplesmente horroroso. O Macri, de certa forma, estando em Davos, é como se fosse porta-voz de uma mensagem implícita: "Senhores, estamos de volta, pedimos desculpas pelo que aconteceu, me ajudem investindo na Argentina para que o país retome o crescimento e essas aberrações não voltem nunca mais a ocorrer". É um palco que está pronto para ele saber aproveitar.

IM - Há por que temer uma saída de recursos do País, diante da concorrência vizinha? Podemos ver um estouro do dólar nos próximos meses? 

FG - O dólar já está bastante desvalorizado. A ideia de um "estouro", com o dólar numa escalada, digamos, "maluca", como a de 2002, parece bastante improvável. Se a Argentina vai atrair parte de recursos que em outro contexto poderiam vir para o Brasil, a resposta é: "Sim".

Digamos que a crise aqui se arraste e lá se resolva, que haja pessimismo aqui e otimismo lá, etc. E digamos que uma empresa que quer ingressar na América Latina tenha a opção entre se instalar em Córdoba, na Argentina, ou no Sul do Brasil.

Quatro anos atrás, ela provavelmente viria para o Brasil. Agora, talvez, vá para a Argentina. Porém, por outro lado, há uma questão de tamanho relativo: a Argentina não é um país pequeno como o Chile, mas sua economia é muito menor que a do Brasil. Não há como, por mais intensa que seja a recuperação argentina, ela por si só "roubar" todo o investimento direto que viria ao Brasil. Os números não comportam isso, realisticamente.

IM - À luz do que está acontecendo na Argentina, qual é a saída para o Brasil?

FG - Respondo com a mesma análise que fazia para a Argentina em 2001. Naquela ocasião, a Argentina estava passando por uma crise dramática, com um problema econômico óbvio - a paridade dólar-peso de 1 a 1 - mas também com uma deficiência política decorrente do fato de que o país tinha se convertido em inadministrável pelo Partido da União Cívica Radical de De la Rua, naquele contexto. Eu dizia na ocasião que o país retomaria o rumo quando houvesse uma liderança política. E essa liderança veio com o Governo de Duhalde.

Para que haja um processo sustentado de crescimento, é preciso haver confiança e para essa confiança é chave ter a noção de que haverá "chão pela frente", ou seja, que o investimento iniciado hoje se processará no futuro sob um conjunto de regras definidas.

No Brasil, dependendo da perspectiva eleitoral associada a quem assumir em 2019, o Brasil passe por um ciclo de crescimento mais intenso na altura de 2018. A chave é a liderança política, mas nesse sentido os efeitos benéficos sobre a economia podem ser antecipados dependendo da avaliação acerca da expectativa de poder futura.

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