Entrevista: a brasileira que se tornou presidente do UBS conta como chegou lá
SÃO PAULO - Quando falamos em CEOs de bancos brasileiros, principalmente bancos brasileiros, é difícil vir alguma mulher à cabeça. Entre Robertos, Luises e Andrés, uma Sylvia se destaca, é a presidente do UBS Brasil, Sylvia Coutinho, que conquistou seu espaço no mercado financeiro e se tornou exemplo para milhares de mulheres que querem seguir carreira nesta área.
Formada em engenharia agrícola pela Esalq (Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz'), Sylvia conta como se apaixonou pelo mercado financeiro e dá dicas de como sobreviver neste mundo que toma tanto do seu dia-a-dia.
INFOMONEY: Como foi ganhar o seu espaço dentro do mercado financeiro, um meio considerado tipicamente machista? Você chegou a sofrer preconceito? Como lidou com isso?
SYLVIA COUTINHO: Com dedicação, curiosidade e inteligência as portas foram se abrindo e as conquistas foram acontecendo. De qualquer forma, nunca parei para pensar nesta questão, pois, desde que eu me entendo por gente, sempre estive em meios mais masculinos. Eu fazia muito esporte (inclusive jogava futebol); brincava na rua; no colégio fiz o Baccalauréat [semelhante ao ensino médio de hoje] de matemática e física (só tinha homem na classe); e na faculdade também éramos poucas mulheres. Ou seja, no trabalho não foi muito diferente.
IM: Você espelhou seu trabalho em outros executivos e executivas? Quem você diria serem os seus modelos no meio?
SC: À medida em que fui assumindo jobs diferentes, fui observando os diferentes gestores e gestoras, e analisei o que, na minha percepção, eram suas qualidades e defeitos. Foi um exercício de aprendizado, no qual tentei espelhar as qualidades e evitar os defeitos. Mas no final das contas, temos a nossa propria personalidade e é importante sermos nós mesmos, mas com a capacidade de nos adaptarmos e de irmos melhorando cada vez mais. Para isso é fundamental trabalhar a nossa inteligência emocional.
IM: Como o Brasil se insere em termos de abertura a mulheres dentro do mundo das finanças em relação a outros países? Você acredita que o problema do machismo no mercado financeiro é global? Quais seriam as raízes deste machismo e como fazer para combatê-lo?
SC: O reduzido porcentual de mulheres em posições seniores no mercado financeiro me parece um fenômeno global. Observei isso em todos os países nos quais trabalhei em quatro continentes diferentes. Mas sem dúvida quando comparo os Estados Unidos, por exemplo, ao Brasil, aqui o preconceito é maior. Não só em relação ao mercado financeiro, mas em geral. Por outro lado, quando comparo o Brasil a outros países da América Latina, o Brasil (ou pelo menos Rio e SP...) me parece um dos melhores neste quesito.
IM: Quando você estava na escola decidindo a sua carreira, você chegou a pensar no mercado financeiro? Ou a ideia só surgiu com a proposta do Citibank quando você já fazia pós-graduação em economia agrícola na Esalq?
SC: Eu já gostava de economia e fiz todas as optativas. Cheguei a ganhar o prêmio do Departamento de Economia e fui convidada a fazer mestrado. Ou seja, apesar de nunca ter claro naquela época que eu gostava do mercado financeiro, meu interesse por economia já sinalizava isso. E, quando surgiu a oportunidade, as estrelas... ou melhor, os neurônios se alinharam na minha cabeça, e cá estou até hoje.
IM: Como você via o mercado antes de fazer parte dele? A imagem que você tinha foi correspondida ou você se surpreendeu?
SC: Sinceramente, até entrar mais a fundo no mundo econômico, eu não tinha uma visão muito definida do mercado, mas sempre fui liberal, acreditava na iniciativa privada, no empreendedorismo, na competitividade, na importância de nos conectarmos no mundo e no mercado internacional.
IM: Qual foi o seu passo mais importante na carreira para chegar onde está hoje?
SC: Foi ter aceitado o convite para a transferência para os Estados Unidos e mudado com a minha família - primeiro para Los Angeles por dois anos, e depois para Nova York, por 10 anos. E depois ter aceitado o retorno para o Brasil em 2005. E depois ter aceitado ir de novo para Nova York em 2010. E depois ter aceitado voltar para o Brasil em 2012, onde estou até hoje. Ou seja, brinco com estas idas e vindas, pois uma coisa fundamental para a carreira de qualquer executivo de empresa internacional é ter mobilidade. Na minha opinião, este é um ponto que prejudica as mulheres muito mais do que os homens, já que é muito comum a esposa largar tudo para acompanhar o marido quando este tem uma oportunidade de expatriação. Já o contrario é bem raro, quando um homem se dispõe a largar o seu trabalho e seguir sua esposa quando surge este mesmo tipo de oportunidade do lado dela.
IM: O dilema entre família e trabalho para uma carreira tão fortemente relacionada com horas extras imprevistas e jornadas longas de trabalho acaba sendo mais difícil para a mulher em uma sociedade que ainda é dominada pelo espectro da dona de casa?
SC: Este é outro drama das mulheres, quando o homem não compartilha os afazeres da casa e das crianças e acha que isso é responsabilidade principal da mulher. Ai fica um peso muito maior nas costas da mulher, que muitas vezes acaba cedendo em prol da família. As sociedades mais evoluídas têm como característica um número equilibrado de horas dispendidas no "segundo turno" (depois do trabalho) entre o casal.
O que falta para que mais mulheres sigam os seus passos aqui no Brasil? Por que há tão poucas executivas em posições de chefia nos grandes bancos, corretoras, gestoras e assets?
SC: Falta muita coisa, e ao mesmo tempo não falta nada... o que quero dizer com isso: se uma mulher tem a ambição de seguir sua carreira, deve escolher bem o seu par, ter ao seu lado alguém sem preconceitos e que está disposto a dividir o cuidado de uma casa e de uma família de maneira equalitária. Sem isso, vai ficando cada vez mais difícil. Hoje as mulheres no Brasil têm uma escolaridade maior do que a dos homens e, apesar de existir certo preconceito, maior em algumas atividades do que outras, o Brasil não é um país que impõe barreiras intransponíveis à mulher, como é o caso de muitos países no Oriente Médio.
Ou seja, ajuda fazer as escolhas certas, e não se "sabotar". Percebo que muitas mulheres acabam não acreditando no seu próprio potencial, e em momentos cruciais em que novos desafios e oportunidades são apresentados, acabam não querendo assumir certos riscos. Observo este comportamento mais em mulheres que foram criadas por pais que faziam diferença entre o que o menino podia fazer e o que a menina podia fazer. Nas palestras nas quais falo deste assunto, sempre digo aos pais que têm filhas que evitem ao máximo fazer diferença e que tratem as suas filhas como tratariam os seus filhos. Até porque nunca vi até hoje nenhum pai e dizer que gostaria que a sua filha fosse dependente de um homem. Pelo contrario, todos querem ver suas filhas independentes financeiramente. Contudo, alguns deles não ajudam a cria-las como tal...
Que dicas você teria para uma jovem que esteja começando a carreira e deseje entrar neste meio?
SC: Precisa gostar; precisa estudar; precisa ter disciplina, curiosidade e coragem para novos desafios. Mas, sinceramente, este é um conselho que se aplica a tudo, não só ao mercado financeiro.
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