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Dólar não deve voltar mais para R$ 1,60, diz economista

O doutor em economia e professor aposentado da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo - Danillo Sperandio/UOL
O doutor em economia e professor aposentado da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo Imagem: Danillo Sperandio/UOL

Armando Pereira Filho

Editor do UOL Economia, em São Paulo

05/10/2011 00h01

Se você vai viajar para o exterior ou já esteve fora e agora vai ter de pagar a fatura do cartão em dólar, as previsões não são boas. A moeda americana não deve voltar a ficar na casa de R$ 1,60, como estava havia apenas um mês. Na melhor das hipóteses, pode ficar entre R$ 1,75 e R$ 1,80. Se tudo piorar, há risco de encostar em R$ 2,00.

A estimativa é do sociólogo, doutor em economia e professor aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Luiz Gonzaga Belluzzo.

Avesso a previsões, no entanto, ele avisa que acertar o comportamento da moeda é difícil, até mesmo para assuntos caseiros. "Noutro dia, a minha irmã me perguntou isso [se o dólar ia subir ou cair]. Eu não sei! Depende do que estiver ocorrendo nessa crise europeia-americana."

Também é duro dizer como a crise econômica global pode abalar o país. "O Brasil não vai sofrer provavelmente um choque tão grave...", começou Belluzzo, para logo relativizar a avaliação. "É difícil fazer essa afirmação, porque, se a crise europeia se agravar demais, certamente vamos ter de tomar providências defensivas muito mais sérias e severas."

Entre essas medidas urgentes, num cenário de piora, Belluzzo destaca controle do câmbio e mudança nos juros. "Teríamos de baixar rapidamente os juros e tomar medidas para impedir que o câmbio se desvalorizasse abruptamente."

Um efeito concreto de um aprofundamento da crise na vida do brasileiro seria o aumento do desemprego. “A desaceleração da economia já está ocorrendo visivelmente”, afirma.

O economista critica a adesão total à ideia de câmbio flutuante, diz que o modelo não é uma panaceia [remédio para todos os males] e precisa ser adequado às necessidades do momento, como faz a China.

Belluzzo afirma que as autoridades europeias estão reagindo com “lentidão” à crise da dívida."Está faltando tratar a situação com medidas mais drásticas. Espero que não ocorra [o caos], mas se houver, o episódio será tão ou mais grave que a quebra do Lehman Brothers."

Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva de Belluzzo para o UOL:

UOL - O sr. havia previsto, há alguns meses, em entrevistas e num artigo, que o dólar podia subir rapidamente, e que isso teria efeitos duros sobre importados e nas empresas, por causa de empréstimos  tomados no exterior. O cenário está ruim como previu?

Luiz Gonzaga Belluzzo - O cenário correspondeu mais ou menos ao que apontei. Há uma dificuldade de resposta por parte das autoridades europeias em como tratar a dívida soberana [dívida pública dos países]. E uma incerteza grande sobre qual direção os EUA vão tomar, se é que podem tomar alguma.

Nossa situação hoje é distinta. Temos condições melhores para enfrentar a crise. Temos US$ 360 bilhões em reservas e temos uma situação fiscal que é razoavelmente melhor, apesar das críticas feitas por economistas.

O Brasil não vai provavelmente sofrer um choque tão grave... É difícil fazer essa afirmação, porque se a crise europeia se agravar demais, certamente vamos ter de tomar providências defensivas muito mais sérias e severas.

Quais seriam essas medidas no pior cenário?

Vamos supor que ocorra um calote desorganizado da dívida grega. Isso vai afetar gravemente os mercados financeiros. Os bancos americanos também têm posições pesadas na Europa, de US$ 600 bilhões a US$ 700 bilhões. Além disso, há os seguros de crédito emitidos sobre essas dívidas. Essa combinação é muito perigosa, o que me deixa intrigado com a lentidão com que as autoridades europeias estão reagindo.

Está faltando tratar a situação com medidas mais drásticas. Espero que não ocorra [uma quebradeira geral], mas, se houver, o episódio será tão ou mais grave que a quebra do Lehman Brothers [banco americano que quebrou em setembro de 2008 e foi o marco da crise econômica global]. Estou muito temeroso, porque a inação e a incapacidade de definir quais as políticas adequadas, estão me parecendo um pouco assustadoras.

As medidas não são apenas lentas, mas também insuficientes?

Elas não vão ao cerne do problema. Esse aumento do fundo de estabilização [fundo de países europeus para socorrer nações com dívidas] é insuficiente para atender aquilo que é exigido pela situação. Nesse aspecto, o Fed [banco central dos EUA] agiu com muito mais presteza e de maneira muito mais acertada do que os europeus.

Há um problema de divergências políticas dos países a respeito das medidas.

O que aconteceria de pior para o Brasil no cenário mais pessimista, numa recessão mundial?

Como diria um filósofo do século 19, “tudo o que é sólido se desmancha no ar” [citação ao teórico comunista Karl Marx]. As commodities vendidas pelo Brasil já estão sofrendo queda no preço. Numa recessão, que você está antecipando, não eu, haveria uma queda bastante acentuada nos preços das commodities. Haveria também um deslocamento de capitais por causa da aversão ao risco. O Brasil precisaria tomar muito cuidado com o câmbio. Certamente nós teríamos uma espécie de exacerbação da concorrência. Os chineses seriam mais agressivos na colocação de seus produtos.

O Brasil é um dos países que mais tem condições de se defender. Mas, se ocorrer isso que você está falando, certamente iríamos ter de tomar medidas mais duras, sobretudo de controle de alguns elementos centrais, como é o caso do câmbio e da taxa de juros. Teríamos de baixar rapidamente os juros, e tomar medidas para impedir que o câmbio se desvalorizasse abruptamente.

Numa recessão mundial, o que impactaria na vida prática do brasileiro?

Vai ter uma redução da taxa de crescimento. Provavelmente essa taxa de desemprego não perduraria. Aumentaria um pouco o desemprego. Difícil dizer quanto. O Brasil hoje está praticamente no pleno emprego, com a taxa de desemprego de 6%. A desaceleração da economia já está ocorrendo visivelmente.

Se alguém do governo lhe perguntasse o que fazer para melhorar o câmbio, qual seria sua sugestão?

A volatilidade [altos e baixos do dólar] nas últimas semanas foi uma coisa impressionante. É terrível para quem tem de tomar a decisão de investir ou importar e exportar. Quando as pessoas falam em câmbio flutuante, parece que estão falando em uma panaceia. O câmbio flutuante não é uma panaceia.

Hoje está todo mundo preocupado com o câmbio. Os americanos ajudaram a botar lenha nessa fogueira ao fazer a expansão monetária quantitativa [quantitative easing]. Botaram dinheiro pelo ladrão nos bancos. Taxa de juros muito baixa, os mercados de commodities inflaram e por isso houve essa explosão nos preços das commodities. E as moedas dos países emergentes, sobretudo as dos exportadores de commodities , como Austrália e Brasil, tiveram as maiores valorizações. Com a crise europeia, ocorre uma desvalorização abrupta.

Então, não adianta manter a taxa de câmbio flutuante. Tem de manter, mas tem de “sujar” a flutuação, como fazem todos os países, como os chineses fazem. Eles têm um sistema de controle muito eficaz. A valorização do yuan nesse período foi de 0,07%. Eles não deixam a turbulência entrar lá.

O senhor sugere uma forma mista, então?

Eu sugiro que “suje” a flutuação bastante para impedir valorizações e desvalorizações que não têm nada a ver com os fundamentos. A taxa de câmbio flutuante foi proposta num período em que o fluxo de capital pelo mundo era quase insignificante. Hoje não é mais assim. O câmbio virou ativo, as pessoas especulam com o câmbio. Quando digo especular não é no sentido pejorativo. Esta economia é toda especulativa, você está sempre olhando para a frente. Apenas temos de criar mecanismos para que essa especulação não seja desestabilizadora.

Qualquer intervenção dos governos hoje em dia é vista como intromissão indevida na economia. O sr. citou a China, que é uma país fechado. Não haveria críticas à intervenção no câmbio?

O período de mais efervescência democrática foi o período em que os governos mais interferiram na economia. Foi o período pós-guerra, em que se criou o sistema de proteção social, o Estado intervinha para suavizar a flutuação das economias. Era consensual isso, mesmo nos EUA. Agora, isso virou anátema, é a ideia de que há uma relação mecânica entre a intervenção na economia e a perda de liberdades civis e políticas. Isso é uma simplificação absurda. A intervenção do Estado nessa crise foi brutal, para salvar os bancos. Não podia deixar soçobrar. Provocaria uma hecatombe social.

Então, a intervenção foi correta. O que não é correto é, depois de feita a intervenção, você não conseguir impor as novas regras de regulação. O Estado tem de tomar medidas mais duras de controle desse setor da economia, que é um setor fundamental.

O Brasil corre risco real de voltar a ter uma inflação perigosa mesmo?

Não creio que corramos o risco de ter perda de controle sobre a inflação. Vai haver queda no preço das commodities, e a desaceleração da economia vai também moderar um pouco o impacto no setor de serviços.

No aumento do IPI, o benefício para as montadoras instaladas aqui compensa o prejuízo para o consumidor?

Acho que o governo tomou a decisão que deveria tomar, exigindo dos produtores, claro, a contrapartida. O consumidor perdeu a capacidade de escolher entre vários modelos. O problema é que o Brasil não tem uma empresa automobilística nacional. Coreia e Japão, que são hoje os maiores competidores do mercado mundial, têm suas empresas automobilísticas nacionais.

O consumidor gosta de ter o dólar baixo, para comprar importados, viajar. Como conciliar essa vontade com a preservação da indústria nacional, dos empregos?

A gente não pode escapar dessa contradição. Dar prioridade para a industrialização significa preservar emprego de melhor qualidade. Seria um desastre se o Brasil não cuidasse de alentar sua indústria.

E dá para falar numa taxa de câmbio ideal de equilíbrio?

A taxa de câmbio de equilíbrio seria aquela que permitisse que não haja um deficit importante e ao mesmo tempo desse oportunidade para que a indústria se beneficiasse da demanda que é gerada internamente.

Não dá para prever se o dólar vai subir ou cair, mas poderia falar o que as pessoas devem fazer? Quem vai viajar para o exterior daqui a uma semana ou no fim do ano e nas férias de janeiro?O que o brasileiro deve fazer? Comprar dólares de uma vez? Aos poucos?

A minha irmã me perguntou isso outro dia. Eu não sei. Depende do que estiver ocorrendo nessa crise europeia-americana. Se houver um momento de maior desconfiança, certamente o dólar vai voltar a bater em R$ 1,90, vai tender a ir para R$ 2,00. Se a situação se acalmar, acho que não vai voltar a R$ 1,60 mais. Vai ficar entre R$ 1,75 e R$ 1,80, se as coisas andarem nesse marasmo que a economia mundial está indo.