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Rede de hambúrguer foi extorquida e pagou propina na Carne Fraca, diz juiz

Gerson Lima/Divulgação
Imagem: Gerson Lima/Divulgação

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

31/03/2017 14h47Atualizada em 31/03/2017 15h40

A rede de restaurantes Madero, de Curitiba (PR), pagou propinas em dinheiro e em produtos a fiscais envolvidos no esquema de corrupção investigado pela operação Carne Fraca. Isso é o que aponta o despacho expedido pelo juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Criminal Federal do Paraná, responsável pelo caso. A rede tem restaurantes em 11 Estados e no Distrito Federal e também em Miami (EUA).

A maior parte dos pedidos de propina teria ocorrido na fábrica Fastmeet Produtos, em Balsa Nova (PR), na região metropolitana de Curitiba, onde o Madero produzia hambúrgueres. Ali, segundo as transcrições, os ficais chegaram a fechar a fábrica alegando "más condições de higiene". Atualmente, a Madero industrializa seus produtos em uma fábrica própria, que fica em Ponta Grossa, 110 km a oeste de Curitiba.

Para a Polícia Federal, não se trata de crime de corrupção, mas de extorsão praticada pelos fiscais. Funcionários da empresa foram convocados pela PF antes da deflagração da Carne Fraca, prestaram esclarecimentos e entregaram imagens captadas por circuito interno de câmeras de segurança. Nem o Madero nem seus sócios ou funcionários foram alvos de mandados judiciais.

Fiscais ganhavam dinheiro, picanha e filé mignon

O despacho judicial aponta que o gerente Luiz Adriano Urbanski teria feito o pagamento de propina aos fiscais agropecuários Renato Menon e Celso Dittert de Camargo, presos na Carne Fraca.

"[Luiz] Adriano [Urbanski] acabou cedendo ao pagamento de R$ 2.000 para cada [fiscal], por umas cinco ou seis vezes, entregando os valores em dinheiro, acondicionado em envelopes, nos arredores da empresa e, certa vez, num posto de gasolina", afirma o juiz.

Os fiscais também teriam recebido produtos, como hambúrgueres e cortes de carne in natura, como picanha e filé mignon.

Segundo o juiz, o representante legal da empresa, Homero Fernando Roik, e o gerente do Madero foram ouvidos pela autoridade policial. "Roik informou que a empresa já foi vítima de exigências de fiscais agropecuários, e Urbanski deu detalhes muito precisos acerca de tais exigências", escreveu o juiz.

Falsas acusações para pressionar empresa

De acordo com a decisão judicial, os fiscais começaram a criar "dificuldades" ao perceberem que a "empresa atuava dentro da legalidade e não iria ceder às exigências". Segundo ele, os fiscais chegaram a paralisar a atividade da fábrica, alegando más condições de higiene.

"Celso mencionou que aquela situação não se repetiria se houvesse uma 'ajuda e a todo tempo elaborava relatórios de não-conformidade, no intuito de forçar a celebração de algum acordo espúrio, o que estava inviabilizando as atividades comerciais da empresa, obrigando-a, finalmente, a de alguma forma ceder às pressões", relata o juiz no documento.

Após a mudança da linha de produção para Ponta Grossa, houve apenas duas tentativas de achaque pelos fiscais, narra o juiz em seu despacho. Uma delas, por Maria do Rocio Nascimento, que chefiou o Serviço de Inspeção de Produto de Origem Animal (Sipoa) em Curitiba.

"Tais fatos foram registrados por câmeras de segurança. Urbanski entregou à autoridade policial DVD contendo as imagens da câmera, na qual constam fotos nítidas de uma pessoa recebendo caixas de um funcionário trajado para trabalho em frigorífico e colocando-as no porta-malas de seu veículo. (Desconfia-se tratar da pessoa de Josenei Manoel Pinto, fiscal que atua junto ao Madero)", lê-se no despacho. Josenei foi preso preventivamente pela Carne Fraca.

Empresário disse não ter conhecimento

A reportagem do UOL enviou algumas perguntas à assessoria de imprensa do Madero, no último dia 24 --questionando, por exemplo, por que a empresa pagou propinas, quando foi vítima de extorsão, em vez de procurar a polícia. A empresa não respondeu.

Segundo a assessoria, o empresário Luiz Renato Durski, dono do Madero, deu uma entrevista à revista "Veja" a respeito do caso e não voltaria a se pronunciar.

Na entrevista, ele disse: "É notório que existe muita corrupção no Brasil, tanto quanto é notório que existe muito corporativismo nos órgãos públicos. A impunidade é muito grande. O empresário pensa: 'Se eu denunciar, não vai acontecer nada com o fiscal, e depois ele volta e me arrebenta'."

O empresário também afirmou que o Madero sofreu achaques "por aproximadamente um ano". Segundo Durski, a propina em dinheiro foi entregue sem que ele fosse consultado, "por um excelente funcionário que queria resolver os problemas sozinho" e, quando soube, determinou que "nunca mais deveria fazer pagamento nenhum".

Sobre a qualidade da carne produzida na fábrica da empresa em Ponta Grossa (PR), disse que "beira a perfeição".

A unidade chegou a ter as exportações suspensas após a eclosão da Operação Carne Fraca --o Madero tem uma unidade em Miami (EUA)--, mas a decisão foi revista após uma fiscalização extraordinária feita na semana passada. "Não foram encontrados produtos vencidos, com indícios de adulteração ou qualquer fato que traga riscos à saúde pública", relatou a fiscalização.

"Orgulho de contribuir com a PF"

Em nota à imprensa enviada em 17 de março, dia da deflagração da Carne Fraca, o empresário dizia se sentir "imensamente orgulhoso e feliz por ter contribuído com a Polícia Federal, com a nossa disposição e com os nossos depoimentos explicitando as extorsões dos fiscais do Ministério da Agricultura em nossa empresa".

Junior Durski, como prefere ser chamado, continua na nota: "Isso é o nosso dever como cidadãos brasileiros, pois ajuda a passar o Brasil a limpo, tornando-o um lugar mais digno e decente para que as nossas crianças cresçam e se alimentem de produtos e conceitos bons. Temos que ter muita disposição e coragem neste momento que o Brasil dá esta virada, denunciando e colaborando com a polícia e com a justiça, sempre que estes bandidos e corruptos batam às nossas portas."