Uber, Netflix, WhatsApp: por que fazem sucesso, mas têm perdas e dívidas?
Andar de Uber, assistir a um filme pela Netflix ou mandar uma mensagem pelo WhatsApp. Esses serviços adentraram as casas e dominaram os smartphones de tal forma que hoje fazem parte do dia a dia dos consumidores. Com tantos usuários, essas empresas devem ganhar rios de dinheiro, certo?
Não é bem assim. Na verdade, elas registram prejuízos frequentes e acumulam dívidas. O Uber, por exemplo, já perdeu mais de US$ 1,3 bilhão só neste ano. Ainda assim, seu valor de mercado é estimado em US$ 69 bilhões —como a empresa é privada e não tem ações na Bolsa, não é possível saber exatamente quanto ela vale.
Como é possível empresas gigantes e valorizadas no mercado operarem no vermelho? E o que faz um investidor colocar dinheiro nelas?
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Aposta em ganhos futuros
Esses investidores estão apostando em ganhos futuros, diz o jornalista norte-americano Brad Stone, autor de "As Upstarts"(Editora Íntrínseca), livro que analisa a maneira como Uber e outras empresas estão mudando o mundo. "Na visão otimista, essas perdas seriam investimentos, e não sinais de um modelo de negócio falido", diz.
Segundo ele, o Uber investe no recrutamento de motoristas pelo mundo para tentar ter o monopólio do transporte privado; a Netflix investe bilhões em séries e filmes próprios para atrair assinantes; e o Snap [dono do aplicativo Snapchat] é uma empresa relativamente nova e investe no crescimento da base de usuários.
Mesmo o YouTube, que já tem mais de um bilhão de usuários, não mostra resultados financeiros positivos. A presidente-executiva da empresa, Susan Wojcicki, disse que a empresa ainda está em "modo de investimento", aproveitando a oportunidade criada pela queda na audiência da televisão tradicional. Em entrevista à revista "Fortune" no final do ano passado, ela afirmou que não há prazo para o YouTube começar a dar lucro.
Todos querem ser a nova Amazon
A fórmula de investir pesado na expansão para ganhar mercado e lucrar no futuro é comum na indústria de tecnologia.
Um exemplo clássico é o da Amazon, de acordo com Roy Martelanc, professor de administração na USP (Universidade de São Paulo). A empresa de comércio eletrônico passou anos recebendo investimentos e registrando prejuízos. "Em 2000, com o estouro da bolha pontocom, o mercado deu um ultimato: ou a Amazon gerava caixa ou pararia de receber dinheiro", diz. "Em um ano, a empresa começou a dar lucro."
O estouro da bolha da internet aconteceu quando as ações de empresas de tecnologia, que haviam disparado, despencaram nos Estados Unidos e provocaram um efeito dominó nas Bolsas do mundo todo.
No final, quem investiu na Amazon se deu bem. A empresa, que começou vendendo apenas livros, hoje é a maior varejista online do mundo e resolveu partir também para o mercado tradicional ao comprar a rede de supermercados norte-americana Whole Foods Market. Seu fundador, o bilionário Jeff Bezos, chegou a ultrapassar Bill Gates e ocupar o posto de pessoa mais rica do planeta.
Quem investe no Uber, na Netflix, no Snap e em outras empresas do tipo aposta que uma delas pode ser a nova Amazon. "A Netflix ganha telespectadores da TV convencional; a Tesla [fabricante de carros elétricos] 'rouba' clientes das grandes fabricantes de automóveis; as crianças passam tempo no Snap, não vendo TV", afirma Stone.
Por outro lado, quando a estratégia de ganhar mercado dá sinais de esgotamento, as empresas podem passar por problemas. É o caso do Twitter, que sofre para conseguir mais usuários e vê suas ações caírem na Bolsa. O próprio Snap tem mostrado dificuldade para enfrentar a concorrência de aplicativos do Facebook, como o Instagram, com a ferramenta Stories.
E os consumidores?
Se o cenário desejado pelos investidores se concretizar, com poucas empresas dominando o mercado e ditando regras e preços, o consumidor não será prejudicado?
Roy Martelanc, da USP, diz que existe, sim, o risco de surgirem monopólios, como aconteceu com os mercados dominados por Microsoft, Google e Facebook, por exemplo. Mas, ainda que esse seja o desejo dos investidores, é improvável que as novas gigantes da tecnologia consigam monopolizar o mercado, segundo ele.
"O Uber, por exemplo, já tem meia dúzia de concorrentes. Se ele escorregar, perde lugar", diz.
Para o autor Brad Stone, o consumidor deve sair ganhando. "A competição vai pressionar as margens de lucro do Uber e criar uma batalha constante pela lealdade dos motoristas", diz. "Existe um longo caminho a ser percorrido pela empresa antes de se falar em dominação do mercado."
Quem são elas
Saiba mais sobre algumas gigantes de tecnologia que dão prejuízo ou têm alto endividamento.
Uber
No segundo trimestre deste ano, o Uber perdeu US$ 645 milhões. Desde 2010, a empresa já recebeu mais de R$ 15 bilhões em investimentos e hoje é avaliada em US$ 69 bilhões. O Uber gasta muito dinheiro com batalhas judiciais para entrar em novos mercados no mundo todo. Por não ser regulamentado na maioria dos locais e não pagar impostos, enfrenta forte resistência, principalmente de associações de taxistas.
Netflix
A Netflix até dá lucro —no segundo trimestre, os ganhos foram de US$ 65,6 milhões—, mas suas despesas estão disparando. A expectativa do mercado é que a empresa gaste US$ 2,5 bilhões neste ano, um aumento de 47% em relação ao US$ 1,7 bilhão gasto no ano passado. Os gastos mais pesados são com a produção de novos filmes e séries e com o pagamento de direitos para poder exibir filmes e séries de outros estúdios. Segundo a agência de notícias Bloomberg, a Netflix precisará ganhar milhões de assinantes por trimestre para pagar esses gastos. Uma investigação do jornal "Los Angeles Times" diz que a dívida da empresa já estaria em cerca de US$ 20 bilhões. A companhia contesta a informação e diz que sua dívida total é de US$ 4,8 bilhões. No Brasil, há um novo desafio. O prefeito de São Paulo, João Doria, anunciou que vai começar a cobrar imposto de serviços de streaming (transmissão de vídeo o música online), incluindo a Netflix.
Snap
Os resultados da Snap, dona do aplicativo Snapchat, assustam. A companhia arrecadou US$ 3,4 bilhões ao lançar ações na Bolsa de Nova York em março. Quem comprou os papéis, porém, pode ter se decepcionado com o primeiro balanço divulgado após a estreia na Bolsa. A Snap teve prejuízo de US$ 443 milhões no segundo trimestre, quase quatro vezes a perda registrada um ano antes. Mas o investidor não pode dizer que não conhecia o risco. Estudos sobre a empresa, divulgados antes da venda das ações, já alertavam que a empresa poderia nunca dar lucro. De fato, a Snap tem tido dificuldade para enfrentar a concorrência do Instagram, do Facebook, com a ferramenta Stories.
WhatsApp
Ninguém sabe exatamente qual a situação do aplicativo porque seu dono, o Facebook, não divulga resultados separados para cada uma de suas empresas. A avaliação do mercado, porém, é de que o WhatsApp tem dificuldade para gerar receita e dá prejuízo. Em 2013, antes de ser comprado pelo Facebook por US$ 22 bilhões, o WhatsApp perdeu US$ 138 milhões. Sem anúncios publicitários, responsáveis pelo lucro do Facebook, o WhatsApp tinha como fonte de receita a cobrança de anuidade de US$ 1, mas essa taxa foi extinta no ano passado. Recentemente, o aplicativo começou a testar uma nova forma de gerar receita: como ferramenta oficial de comunicação entre empresas e clientes.
Tesla
Pouco conhecida no Brasil, a Tesla chegou a superar as tradicionais GM e Ford em abril como montadora de maior valor de mercado nos Estados Unidos, valendo US$ 51,6 bilhões. Em julho, voltou a ser ultrapassada pela GM. A Tesla, porém, é muito menor que a GMe outras montadoras tradicionais. Em 2016, por exemplo, a Tesla produziu 83.922 veículos, e a GM, cerca de 10 milhões. A produção ainda em pequena escala e os altos gastos com o desenvolvimento de tecnologias para carros elétricos e autônomos são os principais fatores para que a Tesla siga tendo perdas. No segundo trimestre, o prejuízo foi de US$ 336,4 milhões. Mas a empresa aposta que os gastos de agora vão garantir o domínio da tecnologia que deverá ser substituir os carros movidos a combustíveis fósseis no futuro. Cada vez mais países manifestam planos de proibir a venda de carros a diesel ou gasolina nos próximos anos. No Brasil, um projeto de lei propõe essa proibição a partir de 2040.
Netshoes
Dona de sites de comércio eletrônico, a brasileira Netshoes nunca deu lucro. Em abril, a companhia lançou ações na Bolsa de Nova York e, no primeiro balanço divulgado, informou perdas de R$ 35,2 milhões. Apesar disso, a base de usuários cadastrados nos sites da empresa subiu 20,8% em um ano. A Netshoes diz que gasta para conquistar novos mercados, como Argentina e México, e ganhar escala. Uma das estratégias para atingir essa meta são os investimentos em publicidade e a adoção de uma política de descontos em produtos.
YouTube
O YouTube pertence à Alphabet, dona do Google, que, assim como o Facebook, não divulga resultados separados por empresa. O mercado estima que a plataforma dá prejuízo, mesmo gerando bilhões com anúncios inseridos no início dos vídeos. A presidente-executiva da empresa, Susan Wojcicki confirma essa estimativa ao dizer que lucro não é o foco do YouTube e que não há prazo para a empresa começar a dar dinheiro. No caso da publicidade, um desafio para a empresa é convencer os usuários a assistirem aos anúncios até o final. Outra questão surgida recentemente é o boicote de anunciantes após críticas de que o Google permite discursos de ódio, racistas e homofóbicos, por exemplo, no YouTube. Os anunciantes declararam que não desejam ver suas marcas associadas a esse tipo de discurso.
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