Depoimento: "Troquei 9 anos de CLT para não ter chefe e vender pano na rua"
Não é normal ouvir um relato como o de Carlos Barbosa, 33, morador de São Paulo. Vendedor experiente, ele conta que deixou um emprego com carteira assinada para vender panos em um cruzamento agitado da capital. “Eu trabalhava em uma empresa grande que era muito estressante, existia muita fadiga psicologicamente", afirma. Ele relata sua história nesta reportagem, mas pediu para não ser identificado nas fotos.
A diferença é a sensação de liberdade, você poder fazer seu horário, trabalhar para você mesmo
O rapaz trabalhava como representante comercial em uma multinacional no ramo de bebidas. Começou jovem na firma, com 20 e poucos anos, e usava uma moto para visitar clientes. A jornada era de pelo menos dez horas, diz. “Eu pegava a moto da empresa, ia nos estabelecimentos para fazer os pedidos de bebidas, a execução, o merchandising. Comecei como promotor de vendas, passei para auxiliar, fui vendedor categoria 1, 2, 3, aí o trabalho me estressou.”
Em março, Barbosa pediu demissão, após nove anos empregado com carteira assinada.
O bruto que eu ganho aqui [na rua] é bem mais do que eu ganhava lá
Barbosa diz não se sentir intimidado diante do alto número de desempregados no país – são 13,1 milhões de pessoas, segundo dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – e a baixa oferta de vagas. O que importa, diz, é não ter mais chefe.
Estou sem convênio médico, mas o SUS não está tão ruim assim. Perto de casa, dá para usar
Barbosa é casado e tem três filhas (10 anos, 5 anos e 1 ano), sendo que a mais velha, fruto de um relacionamento anterior, não mora com ele, mas recebe pensão alimentícia. Com a mulher e as duas mais novas, mora em imóvel próprio no Capão Redondo, bairro da região sudoeste de São Paulo, distante cerca de 20 km, percurso que ele faz de moto em meia hora todos os dias.
E dá mesmo para pagar as contas do mês com o dinheiro arrecadado na rua? Barbosa afirma que sim. A mulher dele trabalha com carteira assinada em um shopping center, na área de limpeza, e a renda de ambos tem sido suficiente, conta.
O vendedor diz que decidiu ir direto para a rua quando pediu as contas, sem nem mesmo procurar outro emprego, porque já conhecia algumas pessoas que se viravam bem no semáforo.
“Tem umas coisas que os caras pedem na empresa... A gente tem que fazer cambalacho para poder sobreviver, essa é a verdade. A gente tem que fazer rolo, tem que forçar a venda, fazer venda casada, que é proibida e a gente tem que fazer, não tem jeito”, afirma.
O gerente só pensava nas metas, não no nosso bem-estar. Era muita pressão pela produtividade. Isso me levou para uma atitude drástica
Carlos Barbosa, vendedor de panos
Um emprego formal em melhores condições do que ele tinha seria o mais adequado, diz o vendedor, que não vê possibilidade de isso acontecer agora. "Hoje em dia, as empresas ganham muito e acabam pagando pouco para o funcionário. E se reclamar, tem outro para ganhar menos que você."
De acordo com ele, entre seis e oito pessoas vendem produtos variados no ponto onde fica: além dos panos, oferecem carregadores de celular, flores, doces e água, por exemplo.
“Em cima da moto também tinha chuva, tinha sol. Aqui a gente se vira, vende outra coisa, se for o caso, vende guarda-chuva. Peguei a experiência lá na empresa como vendedor e estou aplicando no farol agora”, afirma.
O rapaz já teve vários empregos: promotor; repositor de mercadorias e empacotador em supermercado; entregador de pizza, de comida chinesa e de panfleto; “já fiz de tudo na vida”, diz, determinado a ficar pelo menos dois ou três anos na função de ambulante, até conseguir realizar o sonho de ter um negócio próprio.
"O semáforo, de repente, é o começo de tudo, você depois monta uma loja. Meu intuito é trabalhar para mim mesmo, não quero mais trabalhar para ninguém.”
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